Imagine o melhor dos cenários. É de onde escrevo essas letras, debaixo de um céu com milhões de estrelas, barulho de ondas e cheiro de mar. É só o começo das férias. Pode invejar, eu vou entender.

Mas peço que entenda também a minha inveja das pessoas que passaram ilesas pela Covid, puderam viajar, não sofreram privações, e que acolha minhas tantas outras invejas.

A inveja oceânica que sinto de quem tem o mar todos os dias, que pode se dar ao luxo de tirar micro-férias no meio da tarde de uma segunda-feira com um simples mergulho. Dos que veem mais natureza do que asfalto. Mas, principalmente, dos que não precisam de tantas estrelas para reparar o céu, nem de tanto mar para atingir plenitude.

A inveja covarde que tenho dos corajosos que conseguem se dar um tempo sem precisar romper com a rotina. Que não são dominados pelas tarefas, que sabem que não são imprescindíveis e conseguem se livrar da sua própria irrelevância.

A minha inveja cética dos que (dizem que) não invejam nas redes. Dos que têm discernimento para saber quando se desligar das telas. Dos que conseguem permanecer nesse estado, que eu só alcanço aqui, nas férias, longe de casa, quando justamente tenho todo o tempo para gastar nas redes, mas não.

A inveja contraditória do que agora sou. Porque sei que não consigo me sustentar nessa essência por muito tempo sem cair nas armadilhas que me afastam de mim.

E para me redimir de tantas invejas só me resta usá-las a meu favor, fazer delas a minha inspiração. Talvez assim eu consiga trazer comigo um pouco da natureza para conviver com o concreto da cidade; segurar nos meus pulmões um pouco de oxigênio puro para se misturar ao ar poluído ao qual sou viciada; tirar microférias no mergulho de uma segunda-feira chuvosa de São Paulo.

Só assim, poderei restituir o que roubei de mim mesma.