O Conselho Federal de Medicina (CFM) é, em tese, uma autarquia que regula a atuação ética e técnica dos médicos com o objetivo de proteger pacientes e a saúde pública. Mas, na prática, o CFM funciona como um órgão político e se dá ao luxo de ignorar a ciência. Nos últimos anos, converteu-se em linha auxiliar do bolsonarismo.
Uma resolução baixada no dia 14 atesta essa relação. A partir dela, o CFM limitou significativamente a prescrição do canabidiol (CBD), um dos princípios ativos da maconha.
Ressalte-se que o responsável pelo efeito alucinógeno causado pela planta é o tetrahidrocanabinol (THC), não o CBD. Entretanto basta uma tênue associação com a erva para excitar entusiastas da fracassada guerra às drogas.
Pela resolução, o remédio poderia ser prescrito só para crianças e adolescentes com dois tipos de epilepsia ou com esclerose tuberosa.
A questão é que o CBD tem potencial terapêutico atestado pela ciência e já vem sendo usado com sucesso para aliviar os sintomas de várias doenças no mundo todo.
A atitude do CFM em relação ao canabidiol contrasta com a adotada em relação à cloroquina. No segundo caso, o conselho ignorou todas as evidências científicas de que a droga era ineficaz contra a Covid-19 e postulou o "respeito absoluto à autonomia do médico" para liberar prescrições "off-label". Já no caso do CBD, praticamente aboliu essa tal autonomia.
A reação contrária de médicos e pacientes foi rápida e intensa. Diversas associações protestaram, e alguns profissionais disseram que a saída seria ignorar a resolução.
Pressionado, o CFM revogou a norma e abriu uma consulta pública para que médicos e não médicos opinem. Ao fim desse processo, que durará 60 dias, o órgão decidirá se baixa uma nova regra.
Há algumas lições a tirar do episódio. Mesmo aqueles que se encastelam em rígidas posições ideológicas mantêm alguma ponte com o mundo real e, quando pressionados pelo debate público, podem voltar atrás. É uma boa notícia.
Além disso, nota-se como o Brasil, na contramão do mundo, burocratiza em excesso as prescrições de derivados da maconha e impõe barreiras desnecessárias à pesquisa. Já passa da hora de rever isso, pelo bem de pacientes e da ciência.
Por fim, a trajetória percorrida pelo Conselho Federal de Medicina nos últimos anos sugere que devemos repensar o desenho institucional da autarquia, para que volte a ser um órgão de defesa e promoção da saúde pública.
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