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Claudio Medeiros

Precisamos falar de engenharia

Não existe país grande sem empresas fortes e comprometidas com o crescimento nacional

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Claudio Medeiros

Presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon) e vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB)

A exportação de serviços de engenharia é atividade considerada estratégica para as maiores economias mundiais. Em função da complexidade dos projetos executados e da alta competitividade, o mercado é dominado por um restrito grupo de aproximadamente 15 países e por cerca de 300 empresas, com histórico reconhecido de capacidade técnica e presença assídua na exportação. O Brasil é um deles.

Para além dos benefícios setoriais, a exportação de serviços de engenharia é estratégica por gerar empregos, renda e investimentos ao longo da extensa cadeia de fornecedores, dentre pequenas e médias empresas, que integram o ecossistema das construtoras. Seus efeitos são nítidos na atração de divisas que auxiliam no equilíbrio do balanço de pagamentos nacional e servem como instrumento de comércio exterior brasileiro em coordenação com a política externa do país. A atividade compreende também a produção interna de conhecimento a partir do investimento em inovação tecnológica, soluções construtivas, gerenciamento de projetos e sua aplicação em empreendimentos executados tanto no mercado internacional quanto no doméstico.

Nos tempos atuais, o papel do Estado como fomentador de políticas de internacionalização de empresas é um entendimento pacificado, sobretudo pela geração de valor para a economia local, mas não restrito. A exportação de serviços vem sendo utilizada por países como Estados Unidos, Japão, Alemanha, China, Reino Unido e outros para fomentar o desenvolvimento de suas cadeias produtivas e aumento de suas respectivas influências geopolíticas. Na contramão, nos últimos dez anos, o Brasil deixou o lugar de destaque que ocupava no ranking de países exportadores de engenharia para assistir ao avanço das empreiteiras estrangeiras no nosso país e em toda a América Latina.

Em que pese a profunda crise enfrentada pela cadeia de engenharia e construção brasileira há quase uma década, o setor preservou capacidade técnica e vem dando provas de resiliência e capacidade de se reinventar. Algumas empresas nacionais, inclusive, mantêm grandes contratos de prestação de serviços no exterior.

Há, no Brasil, grande estoque de profissionais atuando em construtoras com experiência em projetos de alta complexidade, acervo técnico relevante e com total condição de executar obras industriais, portos, aeroportos, hidrelétricas, termelétricas, obras de arte, entre outros projetos de elevado porte técnico.

O principal gargalo para a exportação de bens e serviços de engenharia é, portanto, o financiamento de longo prazo ou aval segurador, a fim de permitir a competição das empresas brasileiras em igualdade de condições com suas concorrentes internacionais.

A título de ilustração, de 1989 até 2015, quando foram suspensos os desembolsos a esse segmento, o volume de financiamento direcionado pelo BNDES para incentivar exportações de serviços de engenharia totalizou US$ 10,5 bilhões. Em contrapartida, o banco recebeu US$ 12,8 bilhões em pagamentos dos países tomadores dos empréstimos, com US$ 1 bilhão de saldo devedor pendente.

Considerando também o impacto com arrecadação de impostos e geração de empregos em território nacional, por grandes e milhares de médias e pequenas empresas impactadas pelo programa, o superávit para o Estado é ainda maior. Ou seja, políticas públicas para exportação de engenharia geram lucro e desenvolvimento e ainda ampliam a influência geopolítica no tabuleiro mundial.

Como resultado dessa política, o Brasil chegou a alcançar participação mundial de 3,2% em 2015 (US$ 15,7 bilhões), quando esse mercado somou US$ 500 bilhões. Em comparação, a Turquia, economia que é cerca da metade da nossa e com menor diversificação industrial, conta hoje com 4,4% desse mercado, o que demonstra que é plenamente possível ao Brasil retomar as exportações nesse segmento e obter participação compatível com o tamanho da economia brasileira.

Outro exemplo são as empresas espanholas, que em conjunto com o governo local perceberam a saturação do mercado doméstico anos atrás e apostaram na estratégia de internacionalização: OHLA, Sacyr, Acciona, FCC, Ferrovial e ACS, seis dos maiores grupos de construção da Espanha, fecharam o primeiro semestre de 2022 com uma carteira total de projetos de 205 bilhões de euros, a maior em cinco anos, com obras de infraestrutura na Colômbia, México, Chile, Peru e Brasil.

Por aqui, seguimos perdendo não apenas relevância geopolítica, mas principalmente oportunidades de gerar renda e emprego em território nacional, desde que as políticas de exportação de serviços foram alvo de ataques infundados de que se prestavam exclusivamente a drenar recursos nacionais a partir de taxas de juros privilegiadas. A exportação de bens e serviços de engenharia representou, entre 2003 e 2018, apenas 1,3% do total desembolsado pelo BNDES, enquanto investimentos na infraestrutura nacional, no mesmo período, responderam por 36%.

Levantamento produzido pelo Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon) mostra que, a cada R$ 1 milhão investido em infraestrutura, há incremento direto do Produto Interno Bruto (PIB) do país em R$ 1,4 milhão, com geração de 34 novos postos de trabalho e tantas outras oportunidades indiretas que impactam as cadeias produtivas de 32 setores de nossa economia.

A exportação de serviços de engenharia, por se tratar de negócios que requerem presença local, serve de canal de distribuição e cumpre função de abertura de mercado para fabricantes de bens e prestadores de serviços, assim como de uniformes, maquinários, calçados, equipamentos de proteção e muitos outros produtos fabricados em seus países de origem.

Dada a sua importância indiscutível para fomento da competitividade internacional, reindustrialização e reinserção da engenharia brasileira no mercado internacional, a utilização de mecanismos de crédito ou de suporte segurador oficial à exportação deveriam voltar à pauta dos governantes e gestores públicos, abrindo um debate, dessa vez, mais qualificado e que permita a revisão e retomada dos instrumentos oficiais.

É necessário ainda reestruturar o sistema de exportação brasileiro, a fim de conferir-lhe prioridade, governança, atratividade ao financiamento privado e eficiência na alavancagem da competitividade das exportações brasileiras.

Não existe país grande sem empresas fortes e comprometidas com o crescimento nacional. O voluntarismo do passado rendeu lições que não podem ser esquecidas, muito menos revividas.

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