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Amara Moira

Primórdios do transfeminismo no Brasil

Roberta Close ilustrou tentativa pioneira de construção de um feminismo com respeito às pautas trans

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Já é tão comum vermos um feminismo que sabe levar a sério as pautas trans que, às vezes, esquecemos que a realidade nem sempre foi essa. Pensando nisso, relembro aqui uma das primeiras tentativas brasileiras de construção desse feminismo: o artigo "Roberta Close: homem ou mulher?", publicado na 6ª edição do jornal lésbico-feminista ChanaComChana (1984/85) pela jornalista cis Míriam Martinho. Limitarei a discussão a três pontos marcantes do texto.

Roberta Close desfila na escola de samba Beija-Flor, no Rio de Janeiro, no Carnaval de 1995 - Marcelo Soubhia - 28.fev.95/Folhapress

O primeiro é o início, com Martinho afirmando que a mulheridade de Close só está em discussão por ela "ter ficado conhecida como um travesti quase perfeito. [...] Não fosse isso, ela seria apenas uma mulher". Aliás, Roberta encarna tão perfeitamente os ideais femininos da época que a autora se pergunta se ela não seria um "blefe", "uma mulher fingindo ser um homem fingindo ser uma mulher". Quer reconhecimento maior?

O segundo surge quando Close é posta como "a prova mais contundente do que Simone de Beauvoir, autora de ‘O Segundo Sexo’, escreveu há quase três décadas e meia, [que] ninguém nasce mulher, mas sim torna-se mulher". Possível que essa seja, ao menos no Brasil, uma das primeiras ocasiões que mobilizaram a famosa frase para pensar a existência de pessoas trans.

Por último, a conclusão, momento em que lemos: "Podemos questionar a imagem de mulher convencional que ela adotou, mas não a ela mesma". Com isso, a autora estaria defendendo que o gênero de Close não deveria estar nem em discussão, mesmo que problematizássemos o ideal sexista em que ela se inspira. Mas percebam o paradoxo: caso Roberta não encarnasse tão profundamente tais padrões, será que a autora defenderia a sua mulheridade?

O curioso é que, se buscarmos as redes sociais de Martinho, será difícil ver ali a autora de um dos marcos fundadores do nosso transfeminismo. Hoje ela é o contrário disso, capaz que nem a Close ela veja mais como mulher.

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