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Fabio Victor

Caso dos cachorros da irmã de Zanin é festival de erros que reflete nosso tempo

Acusado de ser agressor foi sumariamente absolvido

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Fabio Victor
Fabio Victor

Repórter especial da Folha, é autor do livro 'Poder Camuflado' (Companhia das Letras), ganhador do Prêmio Jabuti

Quem acompanha o noticiário ou as redes sociais há de lembrar do caso do homem que agrediu os cachorros da irmã do ministro Cristiano Zanin. Aconteceu em outubro passado, e, como quase tudo que envolve animais de estimação nos dias atuais, provocou imensa comoção na opinião pública.

(Breve digressão: comoção na opinião pública ou nas redes sociais? Difícil responder, e a discussão de como aquela –o conjunto de ideias mais ou menos cristalizadas numa sociedade– passou a se confundir com estas –fóruns digitais em que a bile costuma ser a baliza– renderia uma coluna à parte).

Mas voltemos aos cães da irmã do ministro. A notícia da agressão veio acompanhada de imagens que mostravam um homem chutando dois cachorrinhos (da raça Welsh Corgi, saberia-se depois). Acuada na calçada da portaria do edifício onde mora em São Paulo, a advogada Caroline Zanin Martins acabou também atingida pelas pernadas do colérico cidadão, cravaram os relatos –afinal, laudos do IML e de veterinário atestaram lesões nela e neles.

Dias depois, o sujeito foi indiciado pela Polícia Civil por lesão corporal dolosa e maus-tratos a animais. No mês seguinte, foi denunciado pelo Ministério Público. A Justiça aceitou a denúncia, e ele então virou réu.

Reprodução de vídeo mostra homem chutando cachorros da irmã do ministro Cristiano Zanin; segundo juíza, ele reagiu a ataque dos cães
Reprodução de vídeo mostra homem chutando cachorros da irmã do ministro Cristiano Zanin; segundo juíza, ele reagiu a ataque dos cães - Reprodução

Quantos se recordam do desfecho da história? Também foi notícia e apareceu nas redes, mas passou batido para muita gente. O suposto agressor foi absolvido sumariamente pela juíza Isaura Cristina Barreira –quando um magistrado nem considera necessária a produção de outras provas e encerra o caso antes do julgamento.

Na sentença, descobrimos que, antes das imagens que vieram a público, os cachorros "se aproximaram do réu sem qualquer contenção por parte da vítima" e o atacaram, mordendo inclusive sua bermuda. Ele seguiu a caminhada e os cães avançaram de novo. O Brasil só viu a reação dele a essa segunda investida.

A juíza acrescenta que "em nenhum momento, pelas imagens deflagradas, é possível constatar a ofensa da integridade física da vítima pelo réu, o qual sequer encostou na vítima e nem mesmo se projetou na direção dela".

Como costuma acontecer em circunstâncias assim, o desfecho causou menos estardalhaço, e não se viu nem sombra do furor e da indignação iniciais. No populismo digital, o que fica é a acusação inicial, quase nunca o desmentido.

Esse festival de erros não encerra a história, até porque Caroline Zanin recorreu da decisão. Ficam no ar muitas questões. Por que polícia e Ministério Público não consideraram as primeiras imagens? Se o homem não encostou nela, de que lesão se tratava? Quem é a vítima, afinal?

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