O ministro Alexandre de Moraes disse pouco mais que o óbvio ao fixar a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar crimes ocorridos nos ataques de 8 de janeiro a Brasília, independentemente de os investigados serem civis ou militares.
Não é de hoje, afinal, que o STF aponta a diferença entre crimes dos militares e crimes militares, reservando apenas a estes o foro especial da Justiça Militar.
Decorrência natural do artigo 124 da Constituição, a distinção, a um só tempo sutil e decisiva, faz todo o sentido: o integrante das Forças Armadas deve responder a tribunais castrenses somente quando praticar delito definido pela legislação militar; nas demais circunstâncias, seu lugar é a Justiça comum.
Em sua decisão de segunda-feira (27), Alexandre de Moraes apenas ligou os pontos entre esse entendimento e as condutas em tela no 8 de janeiro. Nada há ali que justifique a presença da Justiça Militar, dado que os crimes em apuração dizem respeito ao patrimônio público e a ordem democrática.
A despeito dessa argumentação bem assentada, o ministro-brigadeiro Joseli Parente Camelo, futuro presidente do Superior Tribunal Militar (STM), concedeu entrevista a esta Folha para asseverar o acerto do ministro do Supremo.
É que, em certos setores da caserna e entre apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), circulou uma versão segundo a qual o STF teria afrontado o STM.
O apelo à lógica maniqueísta não chega a surpreender. Ela atrai, em boa medida, pessoas que não aquilatam o valor da democracia nem compreendem o funcionamento das instituições republicanas, nas quais o mundo não se divide simploriamente entre bem e mal.
É o mesmo tipo de militante desvairado que vandalizou Brasília: uma turba que, movida por ideologia extremista, renega o Estado de Direito, mas que não deixa de recorrer a ele quando convém —por exemplo, para denunciar as condições de encarceramento.
Há uma ironia patente no reclamo, mas, para sorte dessa malta, o Estado de Direito precisa ser mais generoso do que seus inimigos, sob pena de confundir-se com eles.
Daí por que o ministro Moraes deveria acelerar a soltura daqueles presos provisórios que não representam mais perigo à sociedade nem às investigações, concentrando esforços em torno do núcleo formado por líderes, financiadores, reincidentes e violentos.
Se fardados estiverem nesse núcleo, não há como cogitar sua impunidade. Dado o histórico de corporativismo da alta corte militar quando se trata de julgar altas patentes, o fato de os processos contra militares ficarem sob vistas do STF não deixa de ser boa notícia.
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