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De novo o retrocesso ambiental?

Se aprovada, MP abre a porteira contra a preservação da mata atlântica

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É surpreendente e paradoxal que um dos maiores retrocessos ambientais do Brasil esteja ocorrendo agora, justamente quando as porteiras abertas à destruição da vegetação nativa florestal e não florestal deveriam ser fechadas. Infelizmente, a medida provisória 1.150/2022, um legado do desgoverno passado, foi recentemente aprovada pela Câmara dos Deputados e avança para avaliação no Senado Federal. A MP tem graves implicações para a sustentabilidade do país e aqui expressamos o nosso repúdio a sua aprovação na Câmara e defendemos a necessária rejeição pelo Senado.

Se aprovada com a inclusão de diversas emendas, a MP modificaria significativamente a Lei da Mata Atlântica, chegando até mesmo a torná-la inócua. Ela autoriza a supressão de vegetação nativa em estágios avançados de sucessão no caso de empreendimentos lineares, sem estudo de impacto ambiental e sem a necessidade de compensação ambiental. Permite ainda a remoção de vegetação secundária em estágios médio e inicial sem a necessidade de um parecer dos órgãos ambientais estaduais, transferindo essa responsabilidade para órgãos municipais, mais vulneráveis a pressões políticas. A derrubada da mata atlântica, que deveria ser uma medida excepcional para fins de utilidade pública, pode se tornar uma prática comum e facilmente implementada em razão de interesses municipais transitórios.

Área de mata atlântica desmatada em Minas Gerais, na região de Setubinha - SOS Mata Atlântica - 20.mai.2022/Divulgação - AFP

Além disso, a medida provisória prorroga, pela sexta vez, o prazo para que os produtores rurais realizem as adequações ambientais necessárias e se inscrevam no Programa de Regularização Ambiental, o que enfraquece um dos principais objetivos da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, aprovada em 2012: restaurar cerca de 19 milhões de hectares de vegetação ilegalmente suprimidos. Após 11 anos, fica evidente que a mensagem é clara: assim como o Código Florestal anterior, a lei não foi criada para ser cumprida, mas para ser alterada ou ter sua aplicação adiada indefinidamente.

Considerando que dois terços das emissões de gases de efeito estufa no país são causados por mudanças no uso do solo, o regramento, ao facilitar a supressão de vegetação nativa, tende a aumentar substancialmente as emissões nacionais. Com a perda vegetação e diminuição da restauração, o país torna-se mais vulnerável às mudanças climáticas, especialmente aos eventos extremos de seca e chuvas torrenciais. Isso resultará em prejuízos econômicos, perdas de vidas humanas e maior insegurança alimentar, hídrica e energética.

Importante lembrar que a mata atlântica fornece água potável para 75% da população do país e contribui substancialmente na produção de energia hidroelétrica (130 GWh, 62% do total nacional), além de abrigar populações de abelhas que aumentam de 15% a 20% a produtividade de importantes culturas, tais como soja, café e laranja.

As implicações da aprovação da MP incluem riscos à aprovação do acordo comercial da União Europeia com o Mercosul e maior dificuldade de atração de investimentos internacionais —em um momento delicado de renegociação do Fundo Amazônia. Sem ações efetivas de controle da supressão da vegetação nativa, não é possível cumprir acordos internacionais, como os assumidos em Davos e na Conferência do Clima das Nações Unidas, como a meta de desmatamento zero.

No que tange ao Acordo de Paris, há prejuízos para a meta de restauração de 12 milhões de hectares até 2030, assim como para os princípios do Marco Global para a Biodiversidade, que incluem a proteção de 30% das áreas de vegetação nativa.

É crucial que os senadores considerem, com profunda responsabilidade, os impactos e as implicações da aprovação da medida provisória 1.150/2022. Corre-se o risco de o Brasil regredir para o limbo ambiental, desperdiçando seu potencial de promover uma agenda que valorize seu capital natural.

Trata-se não apenas de grave dano à imagem nacional, mas sobretudo de um retrocesso significativo na condução do Brasil em direção a uma sustentabilidade duradoura e resiliente às mudanças globais.

Jean Paul Metzger
Professor titular da USP

Ima Vieira
Pesquisadora titular do Museu Paraense Emílio Goeld

Carlos Joly
Professor emérito da Unicamp

Valério Pillar
Professor titular da UFRGS

Mercedes Bustamante
Professora titular da UnB e presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)

* Este artigo é endossado por 76 pesquisadores da Coalização Ciência e Sociedade e por pesquisadores da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica

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