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VÁRIAS AUTORAS

Pelo fim da cultura do assédio no ambiente acadêmico

Alto número de casos revela que estamos diante de sistema de poder opressor

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VÁRIAS AUTORAS (nomes ao final do texto)

A notícia de assédio moral e sexual envolvendo um famoso pesquisador português —o sociólogo Boaventura de Sousa Santos— explicitou duas questões que interferem na vida acadêmica das mulheres de vários países, sobretudo do Brasil.

A primeira é o número de pesquisadoras, professoras, estudantes, técnicas administrativas e terceirizadas que sofreram assédio moral e sexual. Em uma pesquisa realizada no Brasil com 1.823 estudantes universitários, 73% dos homens e mulheres relataram que conheciam casos de assédio sexual na universidade; e 56% das mulheres relataram ter sofrido assédio sexual nesse contexto (Instituto Avon/Data Popular, 2015).

Manifestação na avenida Paulista, em São Paulo, no Dia Internacional da Mulher - Bruno Santos - 8.mar.22/Folhapress - Folhapress

A segunda questão é que o alto número de mulheres assediadas nas universidades brasileiras demonstra que estamos diante de um sistema de poder opressor, com relações atravessadas por desigualdades de gênero, classe e raça, e ainda ineficaz para a apuração das denúncias e proteção das vítimas. No relatório 1 da "Pesquisa sobre Percepção de Assédio Moral e Sexual Relativo a Gênero na UFRGS (2020)", as mulheres negras são as mais assediadas na universidade. O assédio é, por sua vez, em sua maior parte cometido por homens, especialmente o sexual (90%) —e raramente denunciado.

Os movimentos feministas têm lutado contra as diversas violências direcionadas às mulheres, negras e LGBTQIAP+, mas as universidades públicas acabam reproduzindo as relações desiguais da sociedade e com alguns agravantes. Por se tratar de um ambiente de excelência científica, funcionando formalmente por meio de desigualdades verticais (docentes, discentes, técnicos e terceirizados) e horizontais (professor titular e professor-adjunto; aluno da pós-graduação e aluno da graduação; servidores e terceirizados), a gramática do assédio e as violências são naturalizadas como algo cotidiano, e as vítimas são desacreditadas e silenciadas.

De acordo com a pesquisa realizada com 600 servidores de 71 universidades públicas e institutos federais, 52,3% das instituições não possuem qualquer política de prevenção de ocorrências e, dessas, 70% não oferecem medidas de combate ao assédio (Beltrame, 2021). É gritante o contraste entre os dados, pois indicam que há um pacto de silêncio institucionalizado que consiste na não tomada de decisão para impedir a continuidade da violência e para reparar os danos.

Outro fator que explica o baixo índice de denúncia em casos de assédio no ambiente acadêmico é que nós, pesquisadoras e professoras, somos maioria nas universidades públicas, mas os cargos de direção ainda são ocupados por homens, incluindo comissões responsáveis pela proteção e ações decorrentes.

Assim, a luta por paridade nas direções, colegiados e comissões é fundamental para a construção de medidas de prevenção de assédio e violência de gênero, protocolos de encaminhamento das denúncias e acolhimento das vítimas.

Acabar com a cultura do assédio no ambiente acadêmico precisa ser um compromisso de toda a comunidade científica brasileira. A confiança na ciência depende disso.

Geny Guimarães
UFRRJ

Monika Dowbor
Cebrap

Olivia Perez
UFPI

Patrícia Valim
UFBA

Patrícia de Abreu
Ufop

* As autoras deste artigo são pesquisadoras da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas

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