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Tiago Gaspar

Brasil, Portugal e a luta contra a corrupção

Cabe também à sociedade civil reunir esforços e escrutinar as instituições

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Tiago Gaspar

Mestre em desenvolvimento internacional e políticas públicas, é membro fundador da All4Integrity

A fraternidade luso-brasileira, assente na partilha de afinidades históricas, culturais e linguísticas, sustenta uma relação pautada por encontros e desencontros entre Brasil e Portugal. Para infortúnio de ambas as partes, creio, desencontros têm sido o modo de estar mais recente. Contudo, há uma matéria que deve ser motivo de encontros sempre: a prevenção e o combate à corrupção.

A realidade dos dois países é substancialmente diferente. Aliás, o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2022 da Transparência Internacional, onde Portugal se situa na 33ª posição (62 pontos) e o Brasil na 94ª (38 pontos), reflete bem essa disparidade. Porém, não nos deixemos iludir. Embora Portugal esteja melhor classificado, as estimativas do Parlamento Europeu de que a corrupção equivalha a cerca de 10% do PIB são inquietantes. Assim, e índices à parte, creio que será igualmente fundamental que se intensifique a cooperação e os esforços na prevenção e combate a este fenômeno, particularmente por duas razões.

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Marcelo Rebelo de Sousa, de Portugal, apertam as mãos durante encontro em Lisboa - Pedro Fiuza - 24.abr.23/Xinhua

A primeira, tal é a relevância, pode ser encontrada na bandeira brasileira: "progresso". Estaremos de acordo quanto à premissa de que percepções não são fatos. Todavia, fato é a pontuação dos países no IPC estar positivamente correlacionada com o PIB per capita. Ou seja, uma pontuação mais baixa no índice revela um PIB per capita mais baixo. Assim, podemos afirmar que uma maior percepção da corrupção reflete mesmo mais corrupção, não por serem juízos subjetivos, mas porque está associada a menores níveis de desenvolvimento socioeconômico, bem como a instituições mais frágeis.

A segunda razão assume particular relevância considerando o intercâmbio intenso de cidadãos e o elevado fluxo de negócios. A intensidade dessa relação, apesar de frutífera, dá também azo a que crimes como o branqueamento de capitais (ou lavagem de dinheiro) passem despercebidos, exigindo uma atenção redobrada, nomeadamente no cumprimento da Convenção sobre a Luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais, da qual Brasil e Portugal são Estados partes.

Dito isso, de que forma podem, então, Brasil e Portugal intensificar a cooperação e os esforços na prevenção e combate à corrupção? A solução primordial e de maior impacto será os representantes políticos libertarem-se do marasmo e agirem ativamente. E, sim, todos os cidadãos são responsáveis, mas os que são eleitos representantes dos seus concidadãos têm efetivamente uma responsabilidade acrescida.

Apesar disso, e considerando a crescente e alarmante bipolarização da sociedade a que temos assistido, é necessário olhar para a corrupção não como um vício dos governos Lula ou Bolsonaro, nem da esquerda ou da direita, mas como um fenômeno transversal às sociedades e que as atrasa. Mais, como disse, a sociedade civil tem também responsabilidade e pode ter um papel importantíssimo, quer através das eleições, quer no escrutínio às instituições. Mas as possibilidades de intervenção não se esgotam aí. É essencial mobilizar a sociedade civil através de movimentos ou ONGs, sobretudo quando esta se encontra adormecida.

Dou como exemplo um caso que considero bem-sucedido: a All4Integrity. Em apenas um ano, esta associação portuguesa trabalha com instituições nacionais e internacionais na implementação de políticas inovadoras e lançou: 1 - um programa para jovens do ensino médio que promove a disseminação de uma cultura de integridade em Portugal; 2 - um prêmio nacional que reconhece pessoas que inspiram no combate à corrupção; e 3 - um programa que se beneficia de novas ferramentas tecnológicas, como a inteligência artificial, na promoção da transparência e do escrutínio público.

Tais iniciativas que surgem da sociedade civil são fundamentais e têm uma força extraordinária pelo cariz da sua origem, dizendo ainda muito sobre o estado da democracia. Uma democracia que se quer robusta só é possível com uma sociedade civil forte e independente.

Enfim, deixo um apelo a brasileiros e portugueses para que intensifiquem essa cooperação tão necessária na prevenção e combate à corrupção. Também eu estarei disponível e procurarei dar o meu contributo para democracias mais robustas, economias mais pujantes, sociedades mais justas —e um Brasil e um Portugal mais próximos.

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