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O que a Folha pensa USP

Vestibular feminista

Expandir leitura de escritoras é louvável, mas política não deve superar cânone

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As escritoras Conceição Evaristo, Nísia Floresta e Rachel de Queiroz, que têm obras na lista da USP - Lucas Seixas/Arquivo Nacional/Juarez Cavalcante/Folhapress

É inegável que mulheres historicamente enfrentaram preconceito para adentrar no campo artístico. Nas últimas décadas, tem havido esforço louvável para valorizar a produção feminina, mas é preciso cuidado para não cair em novos radicalismos sectários.

Um exemplo recente é o das listas de leituras obrigatórias para as provas do vestibular da Universidade de São Paulo (USP) a serem realizadas entre 2026 e 2028, que, pela primeira vez, serão constituídas apenas por obras escritas por mulheres, conforme a Folha revelou.

De fato, há disparidade de gênero notável nas leituras exigidas pelas cinco instituições de ensino superior mais bem colocadas no Ranking Universitário da Folha (RUF) que fazem uso de listas do tipo —USP, Unicamp, UFSC, UFRGS e UFPR.

Segundo levantamento feito por este jornal, das 178 obras pedidas desde o final dos anos 1980, 146 foram escritas por homens e somente 29 por mulheres.

A USP é a instituição com maior predomínio masculino no período pesquisado, não tendo adotado parcela de obras de escritoras maior que os 22,2% do próximo ano. Já a UFSC foi a primeira a escolher 50% de livros de mulheres, em 2017 —igualdade repetida em 2020, 2021 e 2023. Também a UFRGS mantém 50% desde 2021.

O fato é que a saudável busca por maior diversidade de autores e autoras não justifica retirar das listas de leitura apresentadas aos estudantes nomes do cânone literário —como, para ficar em um exemplo óbvio, Machado de Assis, o maior escritor brasileiro.

Cânones são construções históricas, decerto, que mudam ao longo do tempo não por imposição militante e sim por meio de análises da crítica e da academia, que devem observar aspectos estéticos.

A lista da USP revela um fenômeno problemático em voga na pesquisa universitária: a valorização de abordagens políticas, em detrimento da propriamente literária.

Pesquisadores como o americano Harold Bloom e o italiano Italo Calvino apontam a importância da contemplação estética para o estímulo da imaginação e do autoconhecimento do indivíduo —e também o papel dos clássicos, obras que perduram por séculos e influenciam gerações por conterem alegrias e dores universais.

Uma lista de leituras que não leve em conta tais aspectos desvaloriza ferramentas fundamentais para a formação literária e humanística dos estudantes brasileiros.

editoriais@grupofolha.com.br

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