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VÁRIOS AUTORES

Autonomia do paciente e a palavra final sobre o fim

Propostas inseridas na revisão do Código Civil são avanços no direito individual

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VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

A autonomia individual, base da democracia, reconhece cada pessoa como capaz de escolher seus objetivos, valores e princípios de vida. Não se trata de concordar com todas as escolhas, mas de reconhecer que ninguém tem autoridade para impedir alguém de fazê-las, salvo em situações excepcionais, como quando há riscos a terceiros.

Há poucas décadas, era aceito que profissionais decidissem sobre o melhor tratamento, e ao paciente cabia obedecer. Pacientes eram vistos como incapazes de decidir, e escolhas médicas eram entendidas como técnicas e aplicadas unilateralmente por profissionais.

Homem segura cartaz que diz "Eu decido quando e como vou morrer" durante protesto a favor da legalização da eutanásia, em Madri - Javier Soriano - 18.mar.21/AFP - AFP

Esse paternalismo médico tem sido revisto em favor de um modelo de compartilhamento da decisão. Profissionais (que conhecem doenças e tratamentos) e pacientes (que conhecem seus objetivos, valores e princípios) deliberam sobre os objetivos do cuidado e as opções terapêuticas. Um paciente capaz e que compreende os riscos e benefícios tem direito de recusar qualquer opção. Esse é um pilar da autonomia do paciente.

No Brasil, as leis e os conselhos profissionais reconhecem a necessidade de consentimento do paciente para a realização de um tratamento. Porém, essa autonomia é parcial quando se trata de paciente que recusa tratamento quando a sua própria vida está em risco.

Segundo o Conselho Federal de Medicina, em casos de doenças terminais e irreversíveis, o profissional pode optar por seguir ou não a vontade do paciente de limitar ou suspender procedimento que prolongue a vida. Em situações de urgência ou emergência, em que há iminente perigo de morte, o médico deve adotar todas as medidas para preservar a vida do paciente independentemente da recusa terapêutica.

Isso é problemático porque muitas vezes a intervenção médica torna-se obrigatória quando ela é pouco efetiva ou tardia. Por exemplo, a recusa de amputação por paciente deve ser respeitada, mas se o quadro evolui para uma sepse, então deve-se operar urgentemente mesmo sem consentimento e com resultados piores. Protege-se mal a autonomia e a saúde do paciente.

Também traz insegurança para o profissional, que pode se ver diante de situações em que não sabe se deve, pode ou não deve respeitar a recusa de tratamento para prolongar a vida do paciente. Em vez de se pautar pela autonomia do paciente e pela melhor conduta ética e técnica, age defensivamente por medo de processo legal.

As situações em que a administração de um tratamento para estender a vida de um paciente choca-se com a sua vontade são excepcionais. Porém, há casos em que indivíduos estão dispostos a sacrificar tempo por qualidade de vida, julgam que os benefícios de um tratamento não justificam os efeitos adversos ou simplesmente querem decidir como viver seus últimos momentos.

Por essas razões, foi importante a inclusão de dois artigos no relatório da Comissão de Juristas para a revisão do Código Civil estabelecendo o direito de pacientes não serem forçados a submeter-se a tratamento médico. A novidade não é a regra, mas a ausência de exceção para situações de risco iminente de morte.

Também importante foi o reconhecimento de que a recusa a tratamento não exime profissionais de prestarem a melhor assistência possível. Pacientes que não consentem com um tratamento não podem ser abandonados; ao contrário, precisam de cuidados que promovam suas vontades e bem-estar até o fim.

Ainda há questões a serem enfrentadas, especialmente em relação a como avaliar a capacidade para decidir. Porém, a confirmação pelo Congresso dessas mudanças propostas para o Código Civil já seria um passo significativo para dar a pacientes a palavra final sobre o fim.

Ana Carolina Morozowski
Juíza federal

Daniel Neves Forte
Médico intensivista e paliativista e livre-docente em bioética pela Faculdade de Medicina da USP

Daniel Wei Liang Wang
Professor da FGV Direito SP

Roberto Dias da Silva
Advogado e professor da FGV Direito SP

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