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Poliana Martins

É adequado que familiares ou terceirizados auxiliem alunos com deficiência nas escolas? SIM

É uma realidade que se impõe

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Poliana Martins

Mestre e doutoranda em psicologia e cognição pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em autismo, mãe atípica da Soph, João e Joaquim

Há uma discussão em curso sobre o decreto 68.415/24, do governo de São Paulo, que autoriza que estudantes com deficiência contem com a assistência de atendente pessoal, membro da família ou não, durante a rotina escolar. Esse não é, de fato, o cenário ideal.

Idealmente, as escolas, públicas e privadas, seriam capazes de oferecer, sozinhas, através de suas próprias estruturas, todo o suporte de que as crianças precisam. Mas a realidade que se impõe no cuidado de crianças com deficiência hoje, no nosso país, não me permite flertar com um mundo imaginário:

1) Existem crianças com deficiência fora da escola por falta de suporte humano capacitado. Muitas dessas crianças estão institucionalizadas, porque suas famílias estão abandonadas e invisíveis. Ninguém se importa.

2) Por outro lado, milhares de crianças com deficiência que estão nas escolas brasileiras já recebem auxílio de familiares, sobretudo mães, ou de terceirizados para que possam permanecer no ambiente escolar.

Hoje muitas escolas negam esse acesso, seja do familiar, seja de profissional terceirizado, em suas dependências. O objetivo do decreto foi, então, regulamentar uma realidade que já acontece e que, embora não ideal, tem sido o único recurso para acessibilidade de muitas crianças na escola.

Aluno na Emef Irineu Marinho, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Convido vocês a colocarem o pé sobre o piso firme dos fatos para a partir daí construirmos essa discussão. Me perdoem a urgência em debater esse tema com esse recorte duro, o da realidade, e não me permitir neste texto sonhar com um ideal de inclusão.

Eu até gostaria. Mas confesso que eu mesma, mãe de uma criança com deficiência, estive meses dentro da escola dando auxílio para que meu filho pudesse frequentar aquele espaço, porque sua escola pública não oferecia essa possibilidade.

É justo que as escolas impeçam a entrada do familiar/profissional terceirizado quando não conseguem elas próprias oferecer o suporte necessário?

Por outro lado, pessoas com deficiência não são todas iguais. Elas compõem um grupo heterogêneo e muito complexo em necessidades de suporte: uns precisam de rampas, outros de intérprete de libras, crianças com autismo ou deficiência comportamental não raramente precisam de suporte humano.

E o que acontece com as crianças que, sem as ferramentas adequadas, não conseguem se integrar às classes comuns de ensino? O legislador brasileiro não teve vergonha de dar a seguinte solução: institucionalização (art. 58 da lei 9394/96, parágrafo 2º). Segregar essas crianças a espaços que, em muito, remetem aos antigos manicômios. Seguiremos sonhando com escolas ideais enquanto nossas crianças são institucionalizadas?

Pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe apresentam, no artigo "Acompanhamento terapêutico e reforma psiquiátrica: questões, tensões e experimentações de uma clínica antimanicomial", um profissional que nomeiam como assistente terapêutico. Segundo os pesquisadores, a presença desse profissional é uma estratégia clínico-política da luta antimanicomial, isto é, uma maneira de incluir pessoas com deficiência no ambiente comum.

Nesse mesmo sentido entende o documento oficial da "Linha de cuidado para a atenção às pessoas com TEA e suas famílias na rede de atenção psicossocial do SUS", que institui a possibilidade de assistência terapêutica como "um dispositivo possível para a construção de percursos" e para "inserir as pessoas com TEA pelos territórios da cidade".Não existe caminho fácil e simplista quando o assunto é inclusão.

E se tudo é difícil, eu escolho o meu difícil: que a corda arrebente para o outro lado, não na mão de famílias vulneráveis e, sobretudo, das crianças, que é o que acontece neste exato momento em todo país.

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