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Maria Luisa Nogueira e Adriana Borges

Autismo custa caro

Torna-se ainda mais dispendioso não oferecer intervenção adequada e a tempo

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Maria Luisa Nogueira

Psicóloga, é mestre, doutora e professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMG

Adriana Borges

Psicóloga, é mestre em psicologia, doutora em educação e professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Conhecimento e Inclusão Social da UFMG

O autismo demanda diversos tipos de suporte vida afora para sua população estimada em 4,3 milhões de pessoas no Brasil. O relatório "‘A indústria’ do autismo no contexto brasileiro atual: contribuição ao debate", da UFRJ, abordado em reportagem nesta Folha ("‘Indústria do autismo’ influencia políticas públicas, pressiona planos e se expande no mercado privado, diz relatório", 31/5) parte do dissenso sobre onde deve se dar o atendimento dos autistas no Sistema Único de Saúde (SUS): se nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps, em torno de 3.000 unidades) ou nos Centros Especializados em Reabilitação. Os autores questionam, sobretudo, a busca por espaços especializados.

Outro relatório, o Mapa Autismo Brasil, realizado pela Universidade de Brasília e pelo Instituto Steinkopf, indica que só tem acesso às terapias de modo adequado quem recebe acima de quatro salários mínimos.

Maria Lara Oliveira de Almeida, 4, em atendimento com psicóloga e fonoaudióloga; a menina foi diagnosticada com autismo aos 2 anos e faz tratamento pelo SUS. - Karime Xavier/Folhapress - Folhapress

Autistas, familiares e especialistas têm demandando centros especializados, onde seria possível realizar o diagnóstico e as terapias conforme o que a ciência tem mostrado eficaz e seguro, além de políticas públicas para cuidar de quem cuida.

A Rede de Atenção Psicossocial do SUS é constituída por diferentes equipamentos para atender aos princípios de equidade, integralidade e universalidade. Os serviços devem estar onde são mais necessários, reconhecendo as diferentes necessidades e o acesso à promoção da saúde, ao tratamento e à reabilitação. O SUS, incansável, construiu centros especializados para diversas condições, como Caps AD (álcool e drogas) e consultórios de rua. Os Caps têm destaque no que tange à saúde mental, atendendo psicóticos e neuróticos graves.

A história conta que o autismo não recebeu a atenção necessária por ser confundido ora com a psicose, ora com a deficiência intelectual. Sem as intervenções adequadas, muitos autistas foram condenados à prisão —dos hospícios ou da clausura doméstica, mas também do próprio corpo. Diagnóstico importa. O autismo necessita de um trabalho específico, realizado por equipe especializada, e custa caro. Que o digam as famílias que tiveram os planos de saúde cancelados unilateralmente pelas seguradoras, que lucraram R$ 3 bilhões em 2023. As pesquisas demonstram, entretanto, que é ainda mais caro não oferecer a intervenção adequada e a tempo.


Em que pese a seriedade do estudo da UFRJ e da necessária reflexão proposta sobre a "indústria do autismo", importa o debate. O relatório usa dados da Associação Brasileira de Planos de Saúde. Não reconhece o direito à cultura para autistas, já que taxa as salas sensoriais como recursos de promoção e não como acessibilidade. Por fim, aponta o desejo das mães por centros de referência como parte dessa indústria, envelopando junto o ativismo político de mães e autistas.

A culpabilização materna ainda está presente em muitos discursos, como por exemplo no de técnicos dos Caps que fazem "um involuntário julgamento moral da mãe", segundo a antropóloga Rosa López. Embora as mães não sejam mais rotuladas como a causa direta da condição da criança, continuam sendo alvo de críticas pelo desejo por centros que realmente as ajudem e acolham seus filhos de forma segura (em contraposição aos tratamentos alternativos) e pela imposição de uma luta constante, diária e, sim, política.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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