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Leonardo Miana

Brasil enfrenta nível alarmante de morte de crianças por doenças cardíacas

Criar área de atuação específica terá impacto na vida de milhares de famílias

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Leonardo Miana

Cirurgião cardiovascular do Incor (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), é presidente do Departamento de Cirurgia Cardiovascular Pediátrica da SBCCV (Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular)

No Brasil, mais de 20 mil crianças nascem todos os anos com algum tipo de enfermidade no coração. Muitas delas precisam de intervenção precoce para garantir a sobrevivência e a qualidade de vida. Infelizmente, isso nem sempre acontece.

Existe no país um elevado déficit de cirurgias cardíacas pediátricas. Assim, muitos desses bebês não recebem a assistência necessária a tempo e acabam morrendo —uma morte que poderia ser evitada se a estrutura brasileira de saúde estivesse mais bem preparada.

Cirurgia cardíaca em criança sendo acompanhada em tempo real por especialistas do Incor, em São Paulo - InCor - InCor

A situação é alarmante e exige atenção e ação imediata. O Sistema Único de Saúde (SUS), responsável por financiar 90% do atendimento, vem tentando aumentar o volume desse tipo de operação. Por enquanto, porém, sem sucesso.

Apenas 36% da demanda anual de cirurgias necessárias é atendida, e as intervenções mais complexas, realizadas nos pacientes mais graves, costumam ser preteridas, justamente por serem mais onerosas e necessitarem mais estrutura e capacitação das equipes.

Segundo levantamento do Ministério da Saúde, existem no Brasil 67 serviços credenciados pelo SUS, número —teoricamente— suficiente para cumprir a demanda. Entretanto, apenas 24 desses centros superam o volume mínimo de cirurgias exigido pelo órgão, que é de 120 intervenções anuais. Mais preocupante, 21 serviços não estão realizando operações desse tipo por questões que passam por falta de estrutura, de financiamento e de pessoal especializado.

O último ponto é crucial. No Brasil, não existe a necessidade de especialização complementar para operar uma criança. Basta o treinamento regular em cirurgia cardiovascular, que pode ser feito em um dos 95 centros reconhecidos pela Comissão Nacional de Residência Médica e/ou Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. Ocorre que esses centros se distribuem de forma desequilibrada pelo território nacional (48% ficam na região Sudeste, e apenas 5% na região Norte) e, muito mais grave, apenas 22 (23%) possuem volume de atendimento que permita o treinamento apropriado nas delicadas e complexas intervenções requeridas para tratar crianças cardiopatas.

As técnicas cirúrgicas evoluíram bastante nos últimos anos, criando um horizonte de esperança que não existia num passado não muito distante. Esse avanço trouxe consigo a necessidade de hospitais, centros e equipes multidisciplinares dedicados e especializados. Em países desenvolvidos como Estados Unidos e Inglaterra, essa mudança de paradigma transformou a cirurgia cardiovascular pediátrica em uma área de atuação específica. Aqui no Brasil, isso ainda não aconteceu.

Felizmente, um alento pode ser alcançado nos próximos dias. O congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, a ser realizado em São Paulo nesta sexta (14) e sábado (15), votará um projeto crucial que visa solicitar às autoridades competentes a criação de uma área de atuação específica em cirurgia cardiovascular pediátrica e das cardiopatias congênitas. É um projeto fundamental para regulamentar os centros formadores e o treinamento dos futuros cirurgiões, possibilitando mais recursos para a prática desses profissionais, promovendo qualidade e eficiência no atendimento das crianças.

A criação da área de atuação terá um impacto direto na vida de milhares de famílias brasileiras que buscam uma cura para seus filhos e que, muitas vezes, esperam por uma cirurgia que nunca chega.

Cuidar desses pequenos pacientes demanda não apenas conhecimento técnico, mas também uma dedicação extraordinária, pois cada caso é único e exige abordagens específicas e inovadoras.

Neste ano, o mês de junho, que coincide com o do Dia Nacional de Conscientização da Cardiopatia Congênita, celebrado na quarta-feira (12), deve servir como um catalisador para a mudança, iluminando a necessidade urgente de ações concretas e eficazes. Com esse pleito aprovado, será possível ampliar a atenção e melhorar a qualidade do cuidado prestado a esses pequenos pacientes.

O futuro de milhares de corações infantis depende das decisões que forem tomadas agora. Será o início de uma nova era, onde cada criança terá a oportunidade de um coração saudável e uma vida plena.

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