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Luiz Afonso Senna, Homero Neves da Silva e Philip Yang

Somos capazes de planejar?

A tragédia do Rio Grande do Sul exige uma resposta robusta e inovadora

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Luiz Afonso Senna

Professor de engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres e secretário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre

Homero Neves da Silva

Membro do Instituto Urbem - Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole

Philip Yang

Membro do Instituto Urbem - Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole

Passadas oito semanas da tragédia no Rio Grande do Sul, parece cada dia mais evidente que tivemos muito mais um problema de governo que de planejamento. Os diques, muros de contenção hidráulica, sistemas de bombeamento avançados e comportas hidrodinâmicas de Porto Alegre, concebidos há décadas, são demonstrações robustas da nossa contínua capacidade de planejar.

Rua em Porto Alegre após as chuvas - Carlos Macedo - 28.jun.24/Folhapress

Por outro lado, os eventos trágicos do final de abril testemunham nossa incapacidade de governar. Ao olharmos para o futuro, sabemos portanto que, para derrotarmos uma nova catástrofe, temos que criar mecanismos de governança e de gestão para mobilizarmos a capacidade técnica disponível, tendo a reconciliação como princípio, a recuperação como objetivo e o desenvolvimento como fim.

Um balanço das experiências acumuladas no Brasil e no exterior, bem-sucedidas e fracassadas, traz algumas lições valiosas. Paz, unidade e acordo político são pilares da recuperação. Institucionalidade –com flexibilidade e transparência– é forte preditor de sucesso. Improviso e baixa institucionalização de processos redundam em perdas certas, humanas e materiais. Participação social é fundamental. Acesso a expertise testada faz a diferença. Ação deve ser pautada por diagnóstico, desenho de projetos e execução técnica sem interferências políticas.

Para que o Rio Grande do Sul reúna esses ingredientes de sucesso e retome sua trajetória de pujança, inovação e resiliência, é necessária uma nova estrutura de liderança e coordenação. As estruturas atuais impedem a mobilização e integração dos quadros qualificados do serviço público e a contratação da competência presente no mercado e na academia. As disputas partidárias agravam essa fragilidade institucional e dissipam recursos em um momento que exige união de esforços.

A criação de uma Autoridade Interinstitucional para Recuperação e Desenvolvimento (ARD) parece ser necessária num contexto de impasse e de polarização como o que vivemos hoje. Essa agência seria integrada pelos governos federal e estadual, com representação dos públicos afetados e participação de profissionais qualificados. A diretoria-executiva demanda uma composição com indivíduos de reconhecida experiência profissional, sem viés político-eleitoral.

A governança da ARD deve ser intergovernamental e interinstitucional, com conselhos amplos para garantir a escuta e um conselho de administração enxuto e ágil. Uma equipe executiva profissional e competente seria responsável pela proposição e implementação dos projetos de recuperação.

A transparência seria um elemento fundamental da conduta da ARD, que deverá gerar informações sobre o andamento das atividades e demonstrar o alinhamento das ações com a missão da agência disponibilizadas de forma constante.

Não há tempo a perder. Coordenar investimentos para acelerar a superação da tragédia é um imperativo. Casos de sucesso em outros locais demonstram que o Rio Grande do Sul pode alcançar um crescimento 20% acima da curva normal pré-catástrofe. Isso seria possível através da implementação de infraestrutura resiliente ao clima extremo, do aumento de empregos, do crescimento das exportações, da incorporação de negócios intensivos em capital humano e de uma maior integração internacional com acordos de cooperação técnico-científica e investimentos diretos.

A tragédia do Rio Grande do Sul exige uma resposta robusta e inovadora. A criação da ARD, com governança transparente, capacidade de contratação e integração de competências técnicas, pode ser a chave para a recuperação, o desenvolvimento e a construção de um futuro mais próspero e resiliente para o Estado.

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