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Beto Mesquita e Cristina Leme Lopes

Código Florestal protege a vegetação nativa e as nossas vidas

Preservação ou recuperação pode amenizar impacto de novas catástrofes

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Beto Mesquita e Cristina Leme Lopes

Respectivamente, diretor da BVRio e gerente-sênior do Climate Policy Initiative; ambos são membros da Força-Tarefa do Código Florestal da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

A Lei de Proteção da Vegetação Nativa, conhecida como Código Florestal, completou 12 anos no último dia 25 de maio. Embora seja fundamental para mitigar os impactos de eventos climáticos extremos e de ter estabelecido as condições para a regularização ambiental no campo, ainda não foi posta em prática integralmente. Parte dos reflexos desse quadro puderam ser vistos na tragédia do Rio Grande do Sul.

Os quase 400 mil hectares de déficit de vegetação nativa mapeados no estado —área equivalente a oito vezes a de Porto Alegre— não teriam impedido as enchentes, mas certamente reduziriam o volume e a velocidade das águas. Ou seja, se a vegetação nativa tivesse sido protegida ou recuperada, como prevê o Código Florestal, em especial as "áreas de preservação permanente", os prejuízos materiais e humanos teriam sido menores.

Desmatamento perto de borda entre a Amazônia e o cerrado, em Nova Xavantina, Mato Grosso - 28.jul.2021 - Amanda Perobelli/Reuters - REUTERS

Estamos em 2024, mas a proteção da vegetação nativa ainda enfrenta resistências. Há setores que, erroneamente, pregam que ela prejudica a produção agropecuária e causa impactos socioeconômicos negativos. Ao contrário. Além de proteger os habitats naturais dos polinizadores e dos inimigos naturais das pragas e doenças, o pleno cumprimento do Código Florestal teria impacto positivo na economia nacional. Estudo feito pelo PlanaFlor —plano estratégico criado para acelerar sua implantação— aponta para um incremento no PIB brasileiro da ordem de R$ 7,7 bilhões anuais, incluindo ganhos em produtividade, redução de danos, pagamento por serviços ambientais e geração de trabalho e renda por meio da cadeia produtiva da restauração florestal.

Estima-se que haja 59 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa remanescentes, classificadas como "excedentes de reserva legal", em propriedades privadas. Esta é a vegetação nativa além da área mínima exigida pela lei, ou seja, que ainda poderia ser suprimida com autorização legal. Esse "excedente" armazena cerca de 14 bilhões de toneladas de carbono. Se conservadas, essas áreas podem ser consideradas de desmatamento evitado, com potencial para gerar renda por meio de créditos de carbono ou pagamentos por serviços ambientais na forma de servidões ou cotas de reserva ambiental.

Tão importante quanto a proteção é a recuperação de vegetação nativa. Somente com o cumprimento da meta assumida pelo governo brasileiro no Acordo de Paris, 12 milhões de hectares deverão ser recuperados até 2030. Essa ação tem o potencial de gerar mais de 2 milhões de postos de trabalho em funções como coleta de sementes, produção de mudas e plantios. A maior parte dessa restauração se dará em áreas degradadas e induzirá um novo ciclo, baseado na economia verde, em regiões hoje economicamente depreciadas.

Apesar de o Código Florestal tratar de questões tão críticas e urgentes, sua implementação segue lenta. Gastamos mais energia combatendo as ameaças de flexibilização do que apoiando a criação de condições para seu pleno cumprimento. Dados do Barômetro do Código Florestal mostram que há, no momento, mais de 50 projetos de lei no Congresso Nacional que buscam enfraquecer ou adiar a vigência da lei.

O Código Florestal tem relação direta com a sustentabilidade da produção agropecuária e com nossa resiliência climática. Precisamos de um amplo compromisso nacional pela sua implementação, com o engajamento de todos os setores, principalmente os governos federal e estaduais, mas também o Poder Legislativo, o Judiciário, sociedade civil e setor privado.

A proteção e recuperação das florestas e demais formas de vegetação nativa precisam ser percebidas como vetores de desenvolvimento, que oferecem resiliência climática ao mesmo tempo em que produzem benefícios econômicos, sociais e ambientais.

O imperativo da efetiva implementação do Código Florestal em um país que se ufana de ser uma potência agroambiental, "gigante pela própria natureza", deve ser percebido não como uma obrigação legal, mas como a coisa certa a ser feita pelas presentes e futuras gerações.

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