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Maria Isabel Couto e Dudu Ribeiro

Quem vai parar a polícia baiana?

Com consequências devastadoras, opção pelo confronto transforma inocentes em vítimas

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Maria Isabel Couto

Doutora em sociologia (Iesp/Uerj), é diretora de dados e transparência do do Instituto Fogo Cruzado

Dudu Ribeiro

Historiador, é diretor-executivo da Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas

Pelo segundo ano consecutivo, a Bahia lidera o ranking nacional de mortes por intervenção policial. A polícia que mais mata no Brasil parece atuar livre de amarras, responsabilização e controle da sociedade ou do Ministério Público. É o exemplo mais nítido de uma crise que vai além desta gestão. É também uma crise do próprio modelo de segurança pública brasileiro.

Apenas em 2023, o Instituto Fogo Cruzado mapeou 108 perseguições policiais com tiros nas ruas de Salvador e região metropolitana, 33 chacinas policiais e 17 vítimas de balas perdidas em ações da polícia. De todos os tiroteios registrados no último ano, 37% ocorreram em ações policiais. Estes são apenas alguns dos números e das histórias de vida e morte que complementam os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e apontam para as consequências devastadoras da opção pelo confronto como principal política de segurança pública.

Rosângela Vieira de Oliveira perdeu o filho Kailan Oliveira de Jesus em 2023: ele trabalhava como ajudante de pedreiro e foi morto em uma ação policial - Rafaela Araújo - 21.jul.2023/Folhapress - Folhapress

Uma política pública de segurança que coloca os cidadãos em risco é exatamente o contrário do que se espera do Estado. A opção pelo confronto transforma inocentes em vítimas de policiais na Bahia diariamente. Não precisa ser especialista para notar que os resultados são pífios no que realmente importa: controlar a expansão dos grupos armados e reduzir conflitos.

Há que se destacar, ainda, que a violência cometida pelo Estado não afeta toda a sua população de forma homogênea. A alta letalidade causada por agentes do Estado, focados em exterminar jovens negros, é a face cruel do negacionismo quando se trata de segurança pública. Em sua marcha implacável, o Estado aposta na falta de transparência e na recusa em produzir evidências que confirmem, ou não, a eficácia da estratégia do confronto.

Os dados produzidos pela sociedade civil, no entanto, dão a dimensão do problema. Em 2023, apenas 19 bairros registraram 46% de todas as ações policiais que resultaram em tiros em Salvador. Todos eles são habitados por uma maioria negra, acima da média da capital. A letalidade provocada por policiais é a regra, mas, como é possível perceber, não é para todos.

Infelizmente, as más notícias para a população baiana não param nos dados de 2023. Uma olhada nos gráficos do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, referentes a 2024, mostra indicadores ainda piores. Nos cinco primeiros meses deste ano, as mortes por intervenção policial na Bahia já haviam ultrapassado a marca de 700 registros, deixando um rastro inacreditável de 5 mortos por dia.

Em que pesem as amplas evidências da ineficácia do caminho escolhido, a polícia não dá sinais de que sua atuação possa ser diferente. Será preciso um esforço de muitos atores para a Bahia ter uma política de segurança pública eficaz. Ela começa com um plano de redução da letalidade por intervenção policial e passa, necessariamente, pelo fortalecimento do controle externo sobre toda a polícia. Cabe ao governo baiano liderar esse processo, e é fundamental que se diga: a Bahia não é um caso perdido. Chegamos a um patamar inaceitável, mas é possível, sim, fazer diferente.

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