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Bram Ebus

O crime organizado não tem fronteiras na Amazônia

Expansão reflete incapacidade de Estados intensificarem ações conjuntas

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Bram Ebus

Pesquisador e jornalista baseado em Bogotá (Colômbia), contribuiu para o recente briefing “Um problema de três fronteiras: restringindo as fronteiras criminosas da Amazônia", do International Crisis Group

O crime organizado se aninha e se multiplica nas fronteiras da Amazônia, onde os criminosos podem facilmente se esconder das autoridades e forjar alianças lucrativas com grupos de países vizinhos. Um desses pontos críticos é a tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, assolada pela crescente violência e o crime organizado.

Em Tabatinga (AM), na fronteira entre Colômbia e Peru, as paredes marcadas com as siglas do PCC, de São Paulo, do Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, da facção criminosa local Os Crias e do agora extinto Família do Norte (FdN) são testemunha da escalada da violência.

Uma bandeira do Brasil é pintada no chão do pátio da prisão em Pucallpa, capital da região de Ucayali, no Peru.
Bandeira do Brasil pintada em chão do pátio de prisão em Pucallpa, capital da região de Ucayali, no Peru - Pamela Huerta - Pamela Huerta

"Conquistar tudo para ter paz na cidade" é o objetivo do Comando Vermelho, segundo um membro de gangue em Tabatinga. O CV agora domina o crime local. A facção carioca estendeu-se até a cidade fronteiriça de Letícia, na Colômbia, a mais de 3.500 km, e controla importantes rotas de tráfico e mercados locais de drogas no Amazonas.

Além disso, já domina áreas de produção de cocaína no Peru. Operando anéis de tráfico transfronteiriço, o grupo precisa lidar com dissidentes das Farc colombianas, cada vez mais atuantes no Brasil, especialmente no município de Japurá (AM) devido ao atrativo das operações ilegais de mineração de ouro.

Coexistindo com a crise de segurança na região, estão as crises ambiental e climática, pois o crime organizado representa uma grave ameaça à maior floresta tropical do mundo.

Economias ilícitas, como mineração ilegal de ouro, produção de cocaína e pesca ilegal, administradas por redes criminosas transfronteiriças, têm um impacto devastador sobre o meio ambiente e ameaçam os defensores indígenas da Amazônia. As taxas de homicídio em muitas regiões amazônicas superam a média da América Latina, território mais violento do mundo.

Neste cenário desafiante e violento, as forças estatais dos países vizinhos se veem imersas em uma batalha desigual e perdida contra as organizações criminosas bem articuladas e armadas na disputa pelo controle da região.

"O que acontece lá nos afeta aqui", diz um oficial de segurança colombiano em Letícia, cidade irmã de Tabatinga. Os orçamentos de segurança para a Amazônia não conseguem competir com as vultosas receitas das facções. Os altos lucros também catalisam a corrupção, com inúmeros casos de informações privilegiadas sendo repassadas a criminosos ou a policiais envolvidos em esquemas. "Não creio que o sistema judicial esteja preparado para perseguir os agentes policiais", admite um oficial do Estado brasileiro.

A expansão do crime na Amazônia reflete a incapacidade dos Estados de intensificar medidas de proteção, especialmente nas fronteiras.

Expostos à violência crescente e à presença cada vez maior de redes criminosas transnacionais, os povos indígenas têm organizado guardas independentes e desarmadas para patrulhar suas terras ancestrais e detectar invasores violentos —além de comprovarem sua eficácia na gestão da natureza, evidenciada pelos menores índices de desmatamento onde são os donos das terras.

Entretanto, confrontar criminosos com armamentos pesados é inútil sem o apoio estatal. A segurança regional na Amazônia depende, dentre outros fatores, de soluções que atendam às necessidades reais das populações que nela habitam. Além disso, é crucial que sejam estabelecidas relações de confiança entre as forças de segurança e as comunidades locais, além da cooperação transfronteiriça entre as forças de segurança dos países limítrofes para conter a expansão de facções e grupos criminosos.

A vontade política é um elemento primordial para avançar com as estratégias mencionadas. Durante uma cúpula em 2023, oito países amazônicos concordaram em aumentar a cooperação em segurança. As esperanças são consideráveis para um novo impulso no diálogo político e na cooperação durante a COP16 de Biodiversidade deste ano na Colômbia, e, em 2025, na COP30 do clima, sediada na cidade amazônica de Belém do Pará.

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