A conversa sobre acesso a absorventes descartáveis parecia ser coisa do passado frente às opções mais ecológicas, como coletores menstruais e calcinhas absorventes. Mas a realidade brasileira é bem diferente: uma em cada quatro adolescentes no país não tem os itens de higiene menstrual, de acordo com pesquisa de março de 2021. E pior: quase 20% não possui água em casa e mais de 200 mil estudam em escolas com banheiros sem condições de uso.
Diante do veto de Jair Bolsonaro a projeto que previa distribuição gratuita de absorventes a mulheres de baixa-renda e uma avalanche de indignação nas redes sociais, a Folha perguntou aos leitores que menstruam: você já sofreu com a falta de absorventes? O que fez?
Os relatos falam de uso de retalhos de pano, toalhas velhas, papel higiênico, jornal, miolo de pão ressecado e até mesmo a reutilização de absorventes usados na falta de itens de higiene básica.
"No ensino médio, meus pais não tinham condições financeiras de comprar absorventes na quantidade necessária, mal tinha o dinheiro da passagem de ônibus, então eu repetia o absorvente do dia anterior. Ia ao banheiro, enxugava o sangue do absorvente com papel higiênico e continuava com ele até chegar em casa no final da tarde, não podia mudar para o papel higiênico, pois não segurava aquele fluxo de sangue", conta A.D.B. Araújo, 33.
O medo de vazamentos e o constrangimento na escola são constantes na vida de milhares de pessoas que menstruam. A pobreza menstrual afeta diretamente a educação dessas jovens: no Brasil, 28% das mulheres já perderam aula por não conseguirem comprar absorvente.
"Eu utilizava o papel higiênico da escola. Por várias vezes fui advertida, indiretamente, pela escola, que via os rolos de papel higiênico desaparecerem. Eu usava na escola e levava outros rolos para casa, na mochila, para serem utilizados como absorvente. Era muito constrangedor ter que 'roubar' o papel higiênico da escola para usá-lo como absorvente", lembra a professora Érica Luciana de Souza Silva, 46.
Em vários ciclos eu não tinha absorvente, usava panos cortados, que lavava para reutilizar, papel higiênico e até mesmo outros papéis, como jornal e folhas diversas que conseguisse. A opção dos papéis era péssima, porque feria a virilha pelo atrito, mas era menos humilhante do que um pedaço de pano com sangue cair da minha calcinha. Quando possível eu me escondia em casa durante a menstruação. Faltar na escola era uma estratégia.
Minha irmã e eu usávamos toalhinhas, laváveis e reutilizáveis. Passei muitos constrangimentos porque, com o fluxo intenso dos primeiros dias, aconteciam vazamentos com frequência. Também tive problemas de saúde pelo uso das toalhas, como candidíase.
O desconforto menstrual não vem apenas do fluxo, mas também das dores que acompanham. "As cólicas muitas vezes também impediam de ir à escola. Se nem tínhamos dinheiro para o absorvente, claro que também não tínhamos para analgésico, era à base de chá de boldo e compressas. Não foi fácil”, conta a fotógrafa Morgana Narjara dos Anjos, 32.
A falta de acesso também se reflete na quantidade de absorventes necessários. Dada a variação do fluxo, muitas vezes um único pacote —que custa certa de R$ 5 nas farmácias e supermercados —não é suficiente.
Minha menstruação era tão intensa que [um pacote de absorventes] não dava para os 8 dias. E como tinha que me virar só com um pacote, chegava a usar um absorvente por dois dias.
Usava resto de pão ressecado que sobrava em casa.
As leitoras ouvidas pela Folha não passam mais por esse tipo de situação e lamentam a falta de acesso aos absorventes higiêncios. "Sei o quanto é relevante para uma pessoa que menstrua ter acesso a um item tão necessário para a higiene e dignidade ", diz Francijane Oliveira da Conceição, 38.
O veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de distribuição de absorventes a mulheres de baixa renda não foi bem recebido. "Hoje vejo com tristeza os relatos de quem não tem acesso aos absorventes e mais triste é ver o descaso do poder público quanto a uma questão tão séria", opina Rosenira Cavalcanti, 37.
O presidente da República ao vetar tal projeto se mostra mais uma vez um homem que ama odiar mulheres e que ama controlar os seus corpos.
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse em um post em sua página no Instagram na noite da última segunda (11) que o governo federal vai apresentar nos próximos dias um programa para distribuição de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade.
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