Miller começou roteiro de delação antes de Joesley gravar Temer

Ex-procurador disse em mensagens que faria 'brainstorming' com cúpula da empresa

Daniela Lima
São Paulo

O ex-procurador Marcello Miller começou a elaborar já em fevereiro de 2017 um roteiro para a "colaboração/leniência" da JBS, mostram mensagens enviadas por ele à advogada Esther Flesch. No texto, ele diz que fará uma reunião com a cúpula da empresa para fazer um "brainstorming da lista de assuntos".

Os grandes trunfos do acordo dos irmãos Batista foram gravações ocultas de conversas com o presidente Michel Temer e com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) —ambos foram grampeados por Joesley em março.

O ex-procurador Marcello Miller - Pedro Ladeira/Folhapress

Em novembro do ano passado a Folha mostrou que, em 9 de março, Miller enviou para si mesmo um e-mail com uma cópia do roteiro de delação que havia preparado para os Batista. Dois dias antes, Joesley havia gravado conversa com Temer.

Agora, porém, fica claro que o ex-procurador já havia discutido a "lista de assuntos" a serem abordadas pelos delatores antes de o dono da JBS gravar o presidente.

Miller e Flesch atuavam juntos na defesa da J&F dentro do escritório Trench Rossi Watanabe. À colega ele avisa em 26 de fevereiro que viajaria a São Paulo para encontrar com os empresários.

"Amanhã a discussão será de substância: trata-se de elaborar a lista de assuntos que eles apresentarão ao MPF na quinta-feira, em Brasília", escreve o ex-procurador.

Ele faz questão de detalhar o assunto. "Na prática da LJ [Lava Jato], é o instrumento com o qual uma pessoa física ou jurídica sinaliza, em caráter inicial, a intenção de entrar em acordo de colaboração/leniência."

Miller avisa que vai sozinho ao encontro dos Batista —"a criminalista" Fernanda Tórtima, que assina a delação da JBS, ele explica, "está em Cartagena".

"Preparei muito material: minuta de acordo de confidencialidade, roteiro para a reunião que eles terão na quinta com o MPF e um roteiro de brainstorming para a formação da lista de assuntos", ele descreve.

Temer e Aécio, os dois principais implicados na delação da JBS, acusam Miller de ter armado um flagrante para alavancar a delação premiada dos Batista.

A defesa dos empresários, por sua vez, afirma que Miller se apresentou a eles em fevereiro como alguém que já havia saído do MPF e que, portanto, eles não tinham como saber que, por quase dois meses, o ex-procurador atuou dos dois lados do balcão.

Nesta quarta (21), a Folha mostrou que Miller obteve com antecedência informações sobre uma das principais operações da Lava Jato, a que prendeu a irmã de Aécio. Ele avisou Flesch, sua parceira no caso, um dia antes de a prisão acontecer.

Miller sempre negou irregularidade. As mensagens que ele enviou a Flesch entre o fim de maio e junho de 2017 mostram que ele se sentiu abandonado pelos ex-colegas da Procuradoria quando sua participação na defesa dos Batista tornou-se um escândalo. "Estou com muito medo", ele disse, dia 19 de maio.

Em 1º de junho, ele faz um desabafo: "Está difícil. Não para, não arrefece. Minha vida está um inferno". Miller cobra uma atitude mais incisiva do escritório em que estava porque "o MPF em peso está com a percepção de que erramos". "Uma coisa é certa: se eu voltar lá para advogar antes do fim da quarentena, por mais absurdo que isso seja, vou ser recebido a pedradas."

OUTRO LADO

Procurada, a assessoria do ex-procurador Marcello Miller informou, por meio de nota, que "como já explicou às autoridades, ele desempenhou atividades preparatórias no período entre o pedido e a efetivação de sua exoneração do MPF".

"Conhecer os assuntos sobre os quais uma empresa tem a intenção de colaborar com as autoridades era condição essencial. As atividades de Miller eram vinculadas a um acordo de leniência. Colaboração e leniência têm base nos mesmos fatos e provas".

A defesa dos irmãos Batista entrou com uma ação na Justiça na qual sustenta que seus clientes foram induzidos a erro. Argumenta que a J&F teria contratado Miller achando que ele já estava fora do MPF.

Em nota divulgada nesta quarta (21), Alberto Toron, advogado de Aécio, disse que as revelações da Folha "são da maior gravidade e de enorme relevância para o esclarecimento dos acontecimentos que nortearam as delações dos executivos do grupo JBS".

"O conteúdo das mensagens, com autoria, datas e horários perfeitamente identificados, atesta ações claramente premeditadas pelo então procurador da PGR", afirmou. Segundo ele, as investigações mostrarão que "o senador Aécio Neves não cometeu atos ilícitos" e "foi alvo de uma ação premeditada e ilegal".

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