Dodge diz que decisão de Fachin atrapalha inquérito da Lava Jato

Procuradora-geral questiona comunicação direta entre ministro e a PF

Rubens Valente
Brasília

Em um novo lance de disputa de poder entre a PGR (Procuradoria-Geral da República) e a Polícia Federal, a procuradora-geral Raquel Dodge reclamou com o ministro do STF Edson Fachin que uma decisão dele atrapalha o andamento de um dos inquéritos que trata do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

A investigação foi aberta para apurar trechos do acordo de delação premiada de executivos da empreiteira Odebrecht.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge - Pedro Ladeira - 14.mar.18/Folhapress

No inquérito, Fachin havia recebido uma petição enviada diretamente por um delegado da Polícia Federal lotado no Ginq, o grupo da direção-geral da PF que investiga casos que envolvem políticos com foro especial no STF, e decidido prorrogar o inquérito, por 60 dias, sem ouvir a opinião de Dodge. Ecoando a posição do seu antecessor, Rodrigo Janot, que também reagia a esse tipo de comunicação direta entre PF e STF, Raquel Dodge peticionou ao ministro.

 

“Embora o objetivo tenha sido nobre, o deferimento de prorrogação de prazo sem prévia manifestação do titular da ação penal acaba por atrapalhar o próprio andamento da apuração, pois prejudica o conhecimento, por parte do Parquet [Ministério Público], da linha investigatória desenvolvida e do estágio das investigações”, escreveu Dodge em petição do dia 13 de março.

O ministro Fachin ainda não se manifestou sobre a petição de Dodge.

Citando decisões anteriores do ministro Teori Zavascki, morto em 2017 e ex-relator dos casos da Operação Lava Jato no STF, a procuradora-geral afirmou que a Constituição “atribuiu ao Ministério Público a titularidade da persecução penal”.

“Portanto, investigações criminais, por quem quer que sejam realizadas, não têm um fim em si mesmo. Sua finalidade é a formação do convencimento do órgão estatal acusador”, afirmou Dodge. A procuradora-geral escreveu ainda que cabe a ela “com exclusividade, direcionar o esforço investigatório jurídico e estratégico a ser realizado no bojo do inquérito”.

Para Dodge, a triangulação entre STF, PGR e PF se trata de um “resquício disfuncional”, pois a investigação criminal deveria “tramitar diretamente” entre PGR e PF.

De qualquer forma, escreveu a procuradora-geral, “no cenário atual”, seria “imprescindível a prévia manifestação do órgão ministerial sobre solicitações da autoridade policial”.

Para recorrer a uma comunicação direta com os ministros do STF, a Polícia Federal faz referência ao Regimento Interno do Supremo, que estabelece a possibilidade de o relator de um inquérito no tribunal esticar o prazo para o fim da investigação, “sob requerimento fundamentado da autoridade policial ou do procurador-geral da República”.

O regimento diz ainda que, após a abertura do inquérito, “a autoridade policial deverá” providenciar “elementos necessários à conclusão das investigações, efetuando as inquirições e realizando as demais diligências necessárias à elucidação dos fatos”. Ao final das investigações, o delegado deve apresentar “peça informativa”.

Ao longo dos últimos anos, contudo, sobretudo a partir da gestão do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, o STF passou a decidir favoravelmente à posição dos procuradores.

O inquérito prorrogado por Fachin após o pedido da PF foi aberto em março do ano passado para apurar afirmações de delatores da Odebrecht.

Segundo o resumo feito ao STF por Dodge, Marcelo Odebrecht, dono da companhia, e outro delator afirmaram ter pago R$ 30 milhões a Aécio Neves “para que ele influenciasse o andamento dos projetos do Rio Madeira (usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia) atendendo interesse do grupo e da Andrade Gutierrez no projeto”. Conforme a procuradora-geral, o “valor total destinado a Aécio Neves”, segundo os delatores, “foi de R$ 50 milhões, sendo que os R$ 20 milhões restantes foram pagos pela Andrade Gutierrez, com conhecimento de [empresário] Sérgio Andrade”.

O senador Aécio Neves tem negado ao longo dos meses qualquer participação em irregularidades.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.