Na Bahia, Temer inaugura obra de irrigação pronta há 4 anos que não funcionava

Faltam instalações complementares para projeto entrar em operação

Carolina Linhares
Xique-Xique

O Projeto de Irrigação do Baixio Irecê, inaugurado pelo presidente Michel Temer (MDB) nesta sexta-feira (23) no interior da Bahia, já estava com o canal de 42 quilômetros construído havia mais de quatro anos.

A obra começou em 1999 e foi tocada por três empreiteiras diferentes.

O esforço político para inauguração veio em ano de eleição, com Temer admitindo pela primeira vez que cogita se lançar à corrida pelo Planalto. A estratégia, mencionada por Temer e pelo ministro Helder Barbalho (MDB) em seus discursos, é fazer da entrega de obras inacabadas uma marca do governo.

O presidente Michel Temer
O presidente Michel Temer - Ueslei Marcelino - 21.mar.2018/Reuters

Moradores da região reclamam da demora na implantação da irrigação, que até hoje não funciona. 

"Faltou vontade política pra inaugurar", diz o taxista Joseney Silva Santos, 59. "A vontade do nordestino é produzir agricultura, mas não tem condições. Só através do governo mesmo."

"Se tivesse inaugurado a cada etapa que ficasse pronta, aqui estava bem melhor, com plantio de frutas. Já teria desenvolvimento há 15 anos, que é o sonho do pessoal da região", completa.

O objetivo do projeto é captar água do rio São Francisco e distribuir a 16,5 mil hectares de terras entre Xique-Xique e Itaguaçu da Bahia, a 590 quilômetros de Salvador, para impulsionar a agricultura no semiárido baiano.

Desde 2013, porém, faltavam obras complementares, como comportas e estações, por exemplo, para o empreendimento da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), empresa pública ligada ao Ministério da Integração Nacional.

O entrave maior para o funcionamento eram questões burocráticas. Faltava definir o modelo para implantação e operação da irrigação. Enquanto isso, o governo gastava R$ 6 milhões ao ano somente para manutenção, vigilância e fornecimento de energia para o projeto parado.

A ideia inicial era transformar a região num polo de produção de etanol e, para isso, a Codevasf pretendia lançar uma Parceria Público-Privada. Com a queda do preço do álcool, as empresas desistiram de investir no projeto e foi preciso adaptá-lo para agricultura em geral.

Por meio de uma licitação, a Codevasf definiu a divisão e cessão das terras irrigáveis utilizando como modelo a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). A empresa Irriga Bahia é responsável por operar a captação e distribuição de água para suas terras e também para outras propriedades de médio e pequeno porte.

Cerca de uma centena de empresários terão lotes de 15 a 100 hectares. Pequenos agricultores ocuparão 50 lotes de seis hectares, mediante pagamento mensal à Codevasf por 35 anos.

O produtor Adão Gonçalves Nunes, 57, foi sorteado para um dos lotes e pagará cerca de R$ 1800 por ano. Ele pretende plantar mandioca e banana.

"A irrigação está na porta, só falta avançar pra dentro da propriedade e obter uma autorização do Meio Ambiente para fazer uma queimada", disse.

Nunes e Santos chegaram a trabalhar como motoristas na obra do canal, que empregou cerca de mil moradores do entorno.

Hoje Santos faz o trajeto entre as cidades de Irecê e Xique-Xique com um carro movido a botijão de gás de cozinha, como muitos na região. "Transporto todo tipo de muamba, até cachorro, galinha, bode", diz.

"Viemos ver o movimento, as propostas, o que ele vai prometer", afirmou ao chegar ao local do evento com Temer.

O empurrão final do presidente foi a edição de uma medida provisória que permite aos pequenos agricultores oferecerem como garantia aos bancos sua própria terra para obter financiamento.

EXPECTATIVA

Nas etapas um e dois do projeto, inauguradas sexta, o governo federal já investiu cerca de R$ 550 milhões para estudos, compra de terras, licenciamento e obras. Outro R$ 1,2 bilhão veio da iniciativa privada para a operação.

A Codevasf estima que serão criados 11 mil empregos diretos e 14 mil indiretos, além de uma receita bruta anual de R$ 210 milhões.

O projeto completo, com nove etapas, prevê expandir em 47 mil hectares a área para agricultura, beneficiando 250 mil pessoas e gerando 60 mil empregos diretos e 120 mil indiretos, segundo a Codevasf. Ainda não há definição de como será feito o restante da obra. 

Em panfleto distribuído no evento, moradores pedem o funcionamento imediato da irrigação para evitar a deterioração das obras.

A população também quer melhoria na estrada de terra que liga Xique-Xique ao canal e por onde a produção será escoada. Reivindicam ainda atenção à região, prioridade para uso de mão de obra local e que nome do projeto mude para Baixio da Boa Vista, nome do povoado de onde parte o canal.

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