Ofensiva por provas da Odebrecht cria atrito no Ministério Público

Promotores estaduais tentam obter documentos sem aderir a acordo de leniência com empresa

José Marques Wálter Nunes
São Paulo

Tentativas dos promotores do Ministério Público de São Paulo de usar, em ações civis, provas apresentadas por delatores da Odebrecht têm provocado indisposição com o Ministério Público Federal, responsável por fechar acordos de delação (criminal) e leniência (civil) com a empresa.

O órgão estadual tem feito, desde o ano passado, recorrentes pedidos à Justiça pelo compartilhamento das provas. Normalmente, as solicitações são seguidas de manifestação negativa da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que chefia o MPF, e antes disso de Rodrigo Janot.

O objetivo do Ministério Público paulista é que as provas subsidiem ações de improbidade administrativa, que visam reparação dos cofres público estaduais.

Mostra a fachada da sede do Ministério Público estadual, no centro de São Paulo
Sede do Ministério Público estadual, no centro de São Paulo - Reprodução


No entanto, a PGR (Procuradoria-Geral da República) afirma que, para um eventual uso de provas em ação civil, o MP-SP deve aderir ao acordo de leniência da empreiteira, firmado pela força-tarefa de procuradores de Curitiba. A PGR teme que, ao enviar as provas, outros órgãos acabem não respeitando os termos firmados com os colaboradores.

Em reservado, procuradores ouvidos pela Folha apontaram ainda desconforto com o Ministério Público estadual, cuja chefia é nomeada pelo governador.

Alguns investigadores federais chamam atenção para o fato de ter sido comum nos 23 anos dos tucanos à frente do Executivo em São Paulo a nomeação de promotores para a chefia de secretarias de governo, como Saulo de Castro (Governo) e Mágino Alves (Segurança Pública).

Eles ainda avaliam que os procedimentos prévios a abertura de inquérito foram feitos pelo MP-SP de forma apressada e com pouca apuração, com base, por exemplo, em notícias.

A negativa também causou aborrecimentos no outro lado, do Ministério Público de São Paulo, que tentou se reunir com o Ministério Público Federal para discutir o assunto, mas não houve retorno.

Em autos, algumas dessas manifestações são expostas. “Todo e qualquer cidadão pode assistir no YouTube os depoimentos dos colaboradores, mas o órgão do Estado investido da legitimação constitucional e legal para a apuração e persecução de atos de improbidade que atentem contra o erário dos Estados não pode utilizar tais elementos de provas (...) se não aderir à leniência”, reclamou o promotor Wilson Tafner ao ministro Edson Fachin, em ofício ao STF (Supremo Tribunal Federal).

A petição em que Tafner fez a crítica é referente ao suposto pagamento de propina em obras do metrô. Era resposta a uma negativa de Janot, que havia dito ser necessário cautela no compartilhamento de prova “para que ela não possa ser usada contra o próprio colaborador em outra esfera”.

Segundo pessoas ligadas à investigação, o próprio corregedor-geral do Estado de São Paulo, Ivan Francisco Pereira Agostinho, que é promotor de carreira, intercedeu junto ao Ministério Público Federal pelo compartilhamento de provas com o Ministério Público de São Paulo.

Pela assessoria, Agostinho informa que se reuniu com os dois órgãos, separadamente, para solicitar compartilhamento de informações envolvendo o estado, mas “jamais atuou como interlocutor do MP-SP junto ao MPF”.

Entre os casos em que o Ministério Público Estadual pediu compartilhamento de provas, além do metrô, estão os que citam Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como operador do PSDB, e José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela, ligado ao partido. Também pediram provas sobre o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, do PT.

ACORDOS

Um dos promotores do grupo que tem pedido o compartilhamento das provas, que cuida do patrimônio público, criticou a exigência que o MPF faz de anuência ao acordo de leniência.

Segundo ele, o acordo de Curitiba não tem relação com legislação de improbidade e por isso o Ministério Público de São Paulo não irá assiná-lo. Lembra que o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) já decidiu que o procedimento só teria validade com aval da AGU (Advocacia-Geral da União) e CGU (Controladoria-Geral da União) —o que não aconteceu.

Na visão da Promotoria, a falta do compartilhamento de provas é um dos motivos para que a Lava Jato não ande no estado.

O MP-SP agora tem firmado termos de autocomposição —espécie de leniência— em que a empresa se compromete a ressarcir os cofres públicos.

Até agora foram fechados quatro, mas os promotores afirmam que estão negociando ao menos 20, e a própria Odebrecht tem fornecido as provas necessárias.

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