Decisão do STJ sobre Alckmin não barra investigação, diz chefe da Lava Jato de SP

Procurador afirma que provas ainda podem ser compartilhadas com a Justiça Eleitoral

José Marques
São Paulo

O inquérito contra o presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB) enviado à Justiça Eleitoral pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) ainda pode subsidiar investigações da Lava Jato em São Paulo, caso haja indícios de que o tucano cometeu crimes, afirma Thiago Lacerda Nobre, 38, procurador-chefe do Ministério Público Federal no estado.

Coordenador da força-tarefa paulista da operação, Nobre diz que “até o momento” o ex-governador não é investigado, mas “a porta está aberta” para um eventual pedido de compartilhamento de provas.

Alckmin foi acusado por um delator da Odebrecht de ter recebido dinheiro de caixa dois por meio de seu cunhado.

Ampliado para 11 procuradores em fevereiro, o grupo apresentou uma denúncia até agora, contra Paulo Vieira de Souza, suspeito de ser operador do PSDB, por suposta cobrança de propinas. Paulo Preto, como é conhecido, nega as acusações, e sua defesa afirma que o caso não é da Lava Jato.

Nobre não comenta possíveis investigações, mas afirma que “uma pessoa que tem R$ 113 milhões passando por sua conta é uma pessoa de posses” e que, se houve movimentação atípica nesse dinheiro, há novos indícios de crimes.

 

Folha - Foi inesperado o envio do inquérito de Geraldo Alckmin à Justiça Eleitoral?

Thiago Lacerda Nobre - A investigação existente no STJ versa, a princípio, sobre crime eleitoral e por isso a conduta do vice-procurador-geral de pedir para mandá-la ao eleitoral. Pessoalmente eu concordo, porque ele conhecia a investigação. Ele viu que o que tinha a ser apurado naquele instante é crime eleitoral, o que não afasta de modo algum eventual investigação correlata ou paralela da FT [força-tarefa] de São Paulo de outros fatos que possam surgir fruto da mesma origem —colaborações e outras coisas. Tanto que o vice-procurador-geral sinalizou com a possibilidade de compartilhamento de provas.

As provas podem ser compartilhadas com a força-tarefa?

Podem. Aqui na base a gente tem essa questão de eleitoral muito separada. Eu não posso oferecer uma denúncia na Justiça Federal sobre um artigo 350 do Código Eleitoral [caixa dois], mas ele [Alckmin] tinha foro no STJ e lá poderia [ser denunciado eleitoralmente]. O procedimento foi absolutamente normal de remeter para a Justiça Eleitoral, não atrapalha nosso trabalho em nada, até porque a porta está completamente aberta para eventualmente haver compartilhamento de informações, de notícias e fatos que estejam naqueles autos. A gente pode, se for o caso, seguir outro caminho. Uma coisa não atrapalha a outra, são frentes paralelas.

Mas como o caso que estava no STJ pode ser usado aqui?

O caso que estava no STJ foi para o eleitoral porque tratava de situação eleitoral. Só que os fatos ali trazidos, se analisados de uma forma mais profunda —não conheço os autos— talvez revelem eventualmente outros crimes. Se realmente for revelado isso, a investigação aqui pode correr tranquilamente. A gente pede compartilhamento dessas informações, do material que lá existe, o que não vai conflitar em nada com o eleitoral, e a gente pode abrir uma nova frente de investigação. Estou falando em hipótese, porque a gente não conhece a fundo os autos. Isso é uma coisa natural, não atrapalha, tanto que esse procedimento [de enviar à Justiça Eleitoral] é totalmente normal porque a catalogação, o registro no STJ, é de crime eleitoral.

Vocês desconheciam o teor da investigação quando fizeram o pedido?

Não conhecíamos detalhes. Ficou muito evidente que a decisão do STJ, que a meu ver é acertada, não fecha a porta para outras investigações que tenham como semelhança a mesma origem, ou seja, colaboração premiada.

Não há inquérito no Ministério Público Federal em São Paulo que investigue Alckmin?

Até o momento, não.

A Procuradoria de São Paulo se sente pressionada por causa da produtividade das forças-tarefas de Curitiba e do Rio?

De forma alguma. A gente tem consciência de que os trabalhos em São Paulo começaram quatro anos depois dos que começaram em Curitiba e após um período consistente em relação ao Rio de Janeiro. A minha avaliação como coordenador é que o trabalho está fluindo de uma forma bastante positiva. Temos um excelente relacionamento interno e sobretudo com as outras FTs e com a Procuradoria-Geral. No pouco período de vida que nós temos, dois meses...

São dois meses ou quase um ano?

Não chega a ser um ano. Como FT de fato, podemos tratar de dois meses. Os processos vieram inicialmente como colaborações da Odebrecht e foram enviados ao núcleo de combate à corrupção. Depois, foi criada uma pequena força-tarefa, mas a gente teve algumas questões, como a promoção de um colega, que nos desguarneceram. Num dado momento, eram três pessoas para tocar isso, a estrutura ficou pequena. Robustecemos a força-tarefa com colegas da Procuradoria Regional e do interior. Posso dizer que a força-tarefa nasce agora e essa configuração é bastante razoável.

Há fatos que precisem de 11 procuradores para investigar?

Existe demanda porque os delitos de corrupção são densos. Alguns fatos estão em sua metade de apuração, mas muitos deles no início.

Os procuradores não são exclusivos da Lava Jato. Atrapalha?

Não atrapalha em nada. Com 11 pessoas sem exclusividade estamos conseguindo tocar bem o serviço. Talvez se não tivesse exclusividade, quatro ou cinco dessem conta.

A defesa de Paulo Preto diz que a denúncia contra ele não tem relação com a Lava Jato. Por que faz parte da operação?

Sobre isso eu não vou comentar porque a gente vai acabar expondo linhas de investigação. Uma coisa que eu posso falar tranquilamente é que os fatos aqui não têm nenhuma relação com os fatos que [estão no STF] inclusive o relator é o ministro Gilmar Mendes. É outra frente. Mas eu não quero entrar em detalhes. A gente entendeu que é da Lava Jato por elementos da investigação.

Foi revelado que Paulo Preto movimentou R$ 113 milhões no exterior. Esse caso tem sido investigado? 

Eu também prefiro não comentar eventuais investigações sobre esse réu, mas o fato é que essa movimentação de recursos, que a imprensa noticiou largamente, que foi para Bahamas, não tem relação direta com o que a gente denunciou nesses fatos. Simplesmente, se confirmando isso, é uma movimentação atípica que pode ser um crime específico. O que posso falar é que uma pessoa que tem R$ 113 milhões passando por sua conta é uma pessoa de posses, que movimentou quantidade robusta.

A divisão da Lava Jato em muitos juízes de São Paulo muda o trabalho de vocês em relação às outras forças-tarefas?

Isso é uma peculiaridade de São Paulo. Em termos práticos, não muda praticamente nada. Talvez dê um pouco mais de trabalho porque são vários interlocutores para a gente conversar. Com um único juiz, é mais fácil porque você conversa com a mesma vara. Talvez dê mais trabalho para a gente, mas não atrapalha. Todos os juízes aqui têm a capacidade técnica adequada. Talvez nosso trabalho acabe sendo um pouco maior por ter que fazer uma interlocução com mais juízes.

Há alguma restrição na atuação da força-tarefa por causa das eleições?

A princípio não, talvez financeira. De nossa parte, não há impedimento nenhum.

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