Descrição de chapéu

Em discurso, bom humor de Lula resiste às situações mais difíceis

Petista parece sempre se sentir feliz no meio da massa popular

São Paulo

Usando camiseta azul, e não vermelha como muitos companheiros de palanque, Lula se mostrou em excelente forma no discurso que fez neste sábado, em São Bernardo, horas antes de entregar-se à Polícia Federal.

Por mais que, em sua retórica, sejam necessários os momentos de confronto e de revolta, o fato é que Lula parece sempre se sentir feliz no meio da massa popular –e seu bom humor resiste às situações mais difíceis.

É assim que, no meio de sua indignação, ele lembrou um personagem de novelas, o famoso conquistador Tabaco (vivido na Globo por Osmar Prado, presente no palanque), que mantinha várias namoradas e terminou traído.

“A gente acha que só os homens são espertos, mas as mulheres são espertas também”, conclui, para depois dizer que hoje em dia homem também beija homem, e que nos tempos do sindicato tomava conhaque para limpar a garganta antes de um discurso (“coisa que não fiz hoje”).

Essa liberdade de fugir ao roteiro mais óbvio, de entremear política com intimidade e conversa ociosa, sempre ajudará o ex-presidente a dissolver o aspecto mais conflitivo de sua mensagem —naturalmente, a de que está sendo perseguido porque “eles” não querem que o pobre viaje de avião, coma carne de primeira e frequente a universidade.

“Eles”, no caso, não eram os banqueiros, os empresários, o agronegócio, as “elites brancas”. Apenas a mídia, o Ministério Público e o Judiciário foram visados por Lula.

Ao mesmo tempo, o palanque em São Bernardo inspirou o ex-presidente para retornar aos tempos do sindicato, das greves, do “frango com polenta no Demarchi” e do “caldo de mocotó do Zelão”.

Ali, ao lado de lideranças operárias e de políticos como Dilma Rousseff, Gleisi Hoffmann, Manuela D’Ávila, Fernando Haddad ou Guilherme Boulos, ele se sentia entre verdadeiros amigos. Os falsos, “os de gravatinha”, disse Lula, não aparecem mais.

Talvez porque, como Leo Pinheiro e Marcelo Odebrecht, estejam cuidando de seus próprios problemas.

Apesar de se dizer, como sempre, inocente de ter recebido favores de empreiteiros, Lula não deixou de fazer um involuntário e tácito “mea culpa” ao renovar seus laços com um passado de polenta e mocotó, longe do mundo da Andrade Gutierrez e dos brindes com Duda Mendonça.

Não por acaso, assim, o tema da “traição” (conjugal ou ideológica) estava presente. A farsa do personagem Tabaco, que na novela “Roda de Fogo” se viu forçado a casar com três namoradas, enquanto a mulher legítima engravidara de outro homem, parece repetir-se nos vários candidatos à Presidência (Manuela D´Ávila, Guilherme Boulos, um discreto Fernando Haddad e um ainda mais discreto Celso Amorim) a quem Lula declarou amor.

Quanto ao próprio Lula, será de todos e não será de ninguém. Não é mais um ser humano, disse no discurso, mas uma ideia, e quando seu coração parar, continuará batendo no peito de milhões de outros Lulas pelo país. A despedida em São Bernardo foi uma espécie de Última Ceia, entre apóstolos, contra os fariseus, com caldo de mocotó e não vinho francês. Ao PT, resta esperar a ressurreição.

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