Eleição presidencial será teste para sistema político, dizem especialistas

Em debate na Folha, acusações de corrupção e pessimismo na economia são apontados como desafios

Ricardo Balthazar
São Paulo

A eleição presidencial deste ano será um teste de resistência para o sistema político brasileiro, na avaliação de um grupo de especialistas reunidos pela Folha para um debate na noite de quinta (24)

Carlos Pereira, Fernando Abrucio, Uirá Machado, Fabio Wanderley Reis e Mauro Paulino no debate de reinauguração do auditório da Folha
Carlos Pereira, Fernando Abrucio, Uirá Machado, Fabio Wanderley Reis e Mauro Paulino no debate de reinauguração do auditório da Folha - Patricia Stavis - 24.mai.18/Folhapress

Sua sobrevivência dependerá da capacidade dos principais partidos de oferecer respostas convincentes aos anseios da população num ambiente marcado pelo pessimismo dos eleitores e pelo descrédito dos políticos, eles disseram.

O evento reuniu os cientistas políticos Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernando Abrucio e Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino.

“Há um desejo de ruptura, e quem souber expressar a indignação que os eleitores estão sentindo terá vantagem”, afirmou Paulino. “Mas a dificuldade para convencer as pessoas é muito maior hoje.”

Segundo a pesquisa mais recente do Datafolha, concluída em abril,  67% dos eleitores dizem não ter candidato quando instados pelos entrevistadores a revelar espontaneamente suas preferências.

Quando apresentados a cenários que excluem ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está preso em Curitiba e deve ser impedido pela Justiça de disputar a eleição, até 28% dos eleitores disseram não ter em quem votar.

“O eleitor não tem esperança nesse sistema e isso é preocupante”, disse Abrucio. “O país está em frangalhos e o próximo presidente não governará se não responder a isso.”

Pereira observou que os dois candidatos que lideram a corrida na ausência de Lula --o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e a ex-senadora Marina Silva (Rede)-- não têm nenhuma das vantagens que garantiram a vitória em eleições presidenciais anteriores, como partidos fortes e enraizados e apoio de outras siglas.

"Se os mecanismos tradicionais ainda funcionam, esses dois candidatos vão desidratar", disse Pereira, sugerindo que isso abriria caminho para políticos como o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que apareceram empatados em segundo lugar na pesquisa de abril do Datafolha. 

Os participantes do debate divergiram sobre os riscos criados pela Operação Lava Jato para a sobrevivência do sistema político —e da própria democracia brasileira.

Para Wanderley, o avanço das investigações e a prisão de Lula representam uma ameaça para a democracia, ao estimular o descrédito da atividade política e a concentração de poderes nas mãos de juízes e procuradores.

O professor chamou de “fascistoide” o juiz Sergio Moro, que conduz os processos em Curitiba e mandou Lula para a prisão, e disse que ele “manipula a opinião pública para garantir punições sem provas”.

Ele citou um artigo acadêmico de 2004 em que Moro defendeu a busca de apoio da opinião pública como parte essencial de uma estratégia de combate à corrupção.

Wanderley também criticou o Supremo Tribunal Federal, acusando a corte de “atropelar a lei” e contribuir para a “barafunda da crise” ao julgar casos como o pedido de habeas corpus apresentado por Lula antes de sua prisão, em abril.

Para Pereira, ao contrário, o fortalecimento do Ministério Público e de outros órgãos de controle são sinais de amadurecimento da democracia brasileira e devem ser festejados.

“Ninguém quer uma sociedade com a política criminalizada, mas o saldo desse processo é positivo”, disse Pereira. “Estamos impondo limites a desvios sérios e promovendo uma desarrumação criativa.”

Apesar do apoio da opinião pública à Lava Jato e da popularidade de Moro e dos procuradores na linha de frente das investigações, Paulino observou que a maioria da população ainda vê com desconfiança o Judiciário —para 92%, ele trata melhor os ricos do que os pobres, segundo o Datafolha.

Abrucio disse que o país atravessa um “período jacobino”, numa referência à fase mais radical da Revolução Francesa (1789-1799), e afirmou que a “deslegitimação do processo político” pode levar os eleitores a optar por líderes de inclinação autoritária e políticos como Bolsonaro.

“A ação dos órgãos de controle pode estar nos levando para um sistema político melhor do que o atual”, disse Abrucio. “Mas pode ser também que estejamos dando poder demais a pessoas que não foram eleitas e buscam sua legitimidade fora da política.”

​O debate desta quinta marcou a reabertura do auditório da Folha, que estava fechado para reformas havia um ano. O jornalista Uirá Machado, editor da Ilustríssima, foi o mediador da discussão. No dia 5 de junho, o jornal receberá economistas para o debate "Mais um ano perdido?".

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