Ex-secretário de Alckmin é preso em ação que apura desvios no Rodoanel

Laurence Lourenço foi presidente da Dersa; suspeita é de R$ 600 mi de superfaturamento

Géssica Brandino Flávio Ferreira
São Paulo

Apesar da oposição de engenheiros internos e de órgão técnico, a estatal paulista Dersa assinou na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB-SP) aditivos irregulares nas obras do Rodoanel que levaram a prejuízos de mais de R$ 600 milhões, segundo a polícia e o Ministério Público.

As apurações sobre os adendos contratuais levaram à decretação da prisão de oito servidores e ex-funcionários da Dersa, incluindo a do ex-presidente do órgão, Laurence Casagrande Lourenço, que foi secretário estadual de Alckmin e comandava a estatal Cesp até sua detenção nesta quinta (21).

Obras do Rodoanel trecho norte sob suspeita de sobrepreço
Obras do Rodoanel trecho norte sob suspeita de sobrepreço - Jorge Araujo/Folhapress

De acordo com as investigações da Polícia Federal e da Procuradoria, foram beneficiadas pelos aditivos as construtoras OAS e Mendes Júnior, que já são investigadas na Operação Lava Jato.

A operação desta quinta, intitulada Pedra no Caminho, pode atrapalhar as negociações de delação premiada em curso entre executivos da OAS e as autoridades, uma vez que há adendos contratuais recentes —deste ano e do ano passado— nas obras da via. Ilegalidades podem ter sido omitidas dos investigadores, segundo o Ministério Público.

As obras do Rodoanel norte foram iniciadas em 2013, na gestão Alckmin, e ainda não foram concluídas.

Já as apurações começaram em janeiro de 2016, após João Bosco Gomides, ex-empregado de uma empresa terceirizada nas obras, ter dito à PF que soube das fraudes por meio de um gerente do projeto que teria sido vítima de represálias por ter se recusado a assinar os aditivos.

O ex-gerente do Rodoanel apontado por Gomides, Emílio Urbano Squarcina, foi então ouvido pela PF e confirmou essa versão.

Segundo Squarcina, “surgiu a ideia de se melhorar o valor do contrato de forma irregular, através do aumento do valor das despesas com movimentação de terra”.

Segundo ele, a irregularidade consistiu “em dizer que, durante a execução da obra, foi constatado que havia uma dificuldade maior do que a prevista para remoção de solo”.

Os aditivos foram estabelecidos principalmente para trabalhos de retirada de blocos de rochas (matacões, no jargão técnico). Porém, segundo a PF, a remoção das rochas já estava prevista no projeto original segundo mapeamento geológico da década de 1960.

De acordo com a procuradora da República Anamara Osório Silva, a decisão da Dersa sobre os adendos contrariou inclusive opinião técnica do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), órgão vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do estado de São Paulo.

“A diretoria da Dersa pagou um aditivo acrescendo serviços irregulares mesmo após o IPT fazer um novo estudo dizendo que não precisava pagar para remover os matacões”, disse a procuradora.

As fraudes foram realizadas com o emprego de uma manobra conhecida como jogo de planilhas, na qual as quantidades de itens de uma obra são alterados para cima e para baixo com o objetivo de maquiar irregularidades.

“Funcionários da Dersa confirmaram que partiu da própria diretoria do órgão a orientação para que fossem alteradas as planilhas orçamentárias da obra”, afirmou o delegado da PF Victor Hugo Ferreira.

A manipulação de quantidades de materiais pode ter levado à redução da qualidade de certos trechos do projeto, como túneis, afirmou Silva.

Na operação de quinta, foram detidas ao todo 14 pessoas. Além de Lourenço, outro seis ex-funcionários e atuais servidores da Dersa foram presos: Pedro da Silva, Benedito Aparecido Trida, Pedro Paulo Dantas do Amaral Campos, Helio Roberto Correa, Adriano Trassi e Carlos Prado Andrade. 

O funcionário da estatal paulista Edison Mineiro Ferreira dos Santos ainda não foi detido por estar fora do país.

Também foram cumpridos 56 mandados de busca e apreensão em cidades de São Paulo e do Espírito Santo.

As autoridades informaram que ainda não foram encontrados indícios de propinas a políticos e repasses para caixa dois de campanhas eleitorais, mas o material obtido nas diligências e os depoimentos dos presos poderão levar a novas linhas de investigação.

OUTRO LADO

A defesa de Laurence Lourenço afirma que o ex-presidente da Dersa tratou dos aditivos de maneira técnica e legal. A estatal informou que adotará medidas caso sejam comprovados prejuízos.

O advogado Eduardo Carnelós, defensor de Lourenço, disse que a prisão dele “além de injusta, é uma crueldade”.

Segundo o criminalista, após o laudo do IPT contrário aos adendos, Lourenço determinou a devolução dos valores pagos a título provisório. As empreiteiras, porém, invocaram uma cláusula do contrato e o tema foi parar em um junta de técnicos, que em fevereiro passado decidiu em favor da OAS. 

A Dersa afirma que “havendo qualquer eventual prejuízo ao erário público, o estado adotará as medidas cabíveis”.

A gestão de Márcio França (PSB), sucessor de Alckmin no governo, informa que abriu uma sindicância na Corregedoria-Geral da Administração.

Daniel Bialski, defensor de Pedro Campos, afirmou que a prisão é desnecessária e que Pedro é um “funcionário exemplar de carreira na Dersa”.

“Ele [Pedro Campos] prestará todos os esclarecimentos necessários, já que não praticou qualquer ilicitude e aguardará a revogação da medida imposta”, afirmou Bialski.

A OAS e a Mendes Júnior não se manifestaram.

 

Quem é Laurence Casagrande Lourenço

  - Presidente da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), ligada ao governo, desde mai.2018; pediu afastamento nesta quinta-feira (21)

  - Foi secretário de Logística  e Transportes (mai.2017 a abr.2018) da gestão Alckmin

  - Foi presidente da Dersa (jan.2011 a mai.2017), também na gestão Alckmin

 

Exemplos de superfaturamento no Rodoanel norte

LOTE 1
Mendes Júnior
16% a 430%
(R$ 60 milhões)
de aumento em serviços de escavação e explosivos, estrutura de túneis, carga e desmonte de argamassa

LOTE 2
OAS
987%
(mais de R$ 21 milhões) 
de acréscimo nos serviços de escavação e explosivos no lote 2, da OAS

Tipo de fraude
Alguns contratos foram celebrados por preços  mais baixos em relação ao estimado pela Dersa, sendo incluídos outros serviços por meio dos termos aditivos, elevando o custo das obras e alterando o objeto da licitação

Fonte: Ministério Público Federal 

Colaboraram Gabriela Sá Pessoa e Fabrício Lobel, de São Paulo

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