Brasil é responsável por não investigar e punir crime contra Herzog, diz tribunal de direitos humanos

Corte ordenou que a investigação sobre o que aconteceu em 25 de outubro de 1975 seja reiniciada

Danielle Brant Géssica Brandino
Nova York e São Paulo

O Estado brasileiro é responsável pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 1975, durante a ditadura militar, afirmou nesta quarta-feira (4) a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O Estado também foi responsabilizado por violar o direito dos familiares de Herzog de conhecerem a verdade sobre o caso, e também por ameaçar a integridade pessoal dos parentes do jornalista.

Como reparação, o tribunal ordenou a adoção de medidas destinadas a reiniciar a investigação e o processo do que aconteceu em 25 de outubro de 1975. O objetivo é identificar, processar e punir, se for o caso, os responsáveis pela morte de Herzog.

 
O jornalista Vladimir Herzog ao lado de sua mulher, Clarice
O jornalista Vladimir Herzog ao lado de sua mulher, Clarice - Reprodução/Arquivo Pessoal

Durante o julgamento do processo, o Brasil reconheceu que o comportamento arbitrário na prisão, tortura e morte de Herzog provocou dor aos familiares do jornalista.

Na sentença, de março, o tribunal afirmou que os fatos envolvendo o assassinato de Herzog devem ser considerados crime contra a humanidade, e que o Estado não pode alegar prescrição do caso ou invocar a lei de anistia para se eximir de investigar e julgar os responsáveis pela morte do jornalista.

Segundo a corte, por não ter investigado, julgado e punido os autores do crime, o Estado  violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial de Zora, Clarice, André e Ivo Herzog —respectivamente mãe, mulher e filhos do jornalista.

A violação ocorreu mesmo apesar dos esforços para tentar levar a verdade aos familiares de Herzog. A falta de uma investigação, julgamento e punição, afirma a corte, privou os envolvidos de saber o que realmente aconteceu. A corte critica ainda a recusa do Estado em apresentar informações e de fornecer acesso a arquivos militares.

O tribunal acusa o Brasil de descumprir sua obrigação de adaptar a legislação do país à convenção da corte, pela aplicação da lei de anistia e outras que tentam eximir sua responsabilidade na investigação do caso.

Em 25 de outubro de 1975, Herzog apareceu morto em uma cela do Doi-Codi, órgão de repressão do governo militar. A versão oficial dizia que o jornalista tinha cometido suicídio, enforcando-se com um cinto do macacão de presidiário.

Várias evidências, porém, apontavam para que o jornalista tinha sido torturado e morto pelos agentes militares. Herzog era militante comunista ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro).

Na avaliação do advogado Jefferson Nascimento, doutor em direito internacional e assessor da ONG Conectas, a sentença reforça o entendimento de que a lei da anistia é inconstitucional e serve como elemento de pressão para que o STF coloque o tema em pauta.

O mesmo aspecto já havia sido apontado pela mesma Corte na sentença de 2010 que condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia. O país ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992 e deve se submeter as decisões da Corte. 

Nascimento afirma que caso o Supremo reveja a anistia, outros processos que não foram julgados podem ser abertos.

Ele aponta ainda que um elemento novo presente na sentença é o convite para que outros países que adotam a jurisdição universal, como Espanha e Bélgica, possam processar brasileiros que violaram direitos humanos durante o período da ditadura, desde que estejam em seu território.

Segundo a Corte, a publicação foi feita apenas nesta segunda-feira porque após a decisão dos juízes, o texto passa por revisão gramatical e depois por tradução, para então ser enviado para as partes e tornado público.

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