Crivella derruba impeachment na Câmara, mas segue alvo

TCM decidiu também questionar o prefeito sobre déficit de R$ 1,6 bilhão no ano passado

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Rio de Janeiro

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro rejeitou nesta quinta-feira (12) os dois pedidos de abertura de processo de impeachment contra o prefeito Marcelo Crivella (PRB).

A oposição tentou atrair vereadores indecisos usando o argumento de que a eventual abertura do processo não resultaria no afastamento imediato de Crivella.

“O que queremos é investigar se os crimes aconteceram ou não. Crivella precisa ter a oportunidade de demonstrar à sociedade se houve irregularidade ou não”, afirmou o vereador Tarcísio Motta (PSOL).

A base de Crivella, contudo, conseguiu derrubar as propostas, apresentadas pelo vereador Átila Nunes (MDB), o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) e a presidente do PSOL-RJ, Isabel Lessa.

“Chega a ser um deboche com a democracia tratar do impeachment do prefeito diante das atrocidades que vemos Brasil afora. É um abuso”, afirmou o líder do governo, vereador Jairinho (MDB).

Bispo licenciado da Igreja Universal, Crivella é acusado de oferecer ajuda para encaminhar fiéis a cirurgias e para agilizar processos de isenção da cobrança de IPTU das igrejas em reunião no Palácio da Cidade, uma das sedes da prefeitura.

O prefeito nega favorecimento e diz que teve apenas o objetivo de prestar contas de sua gestão e apresentar aos presentes programas sociais da prefeitura.

A reunião no Palácio da Cidade foi um dos nove casos relatados pelo Ministério Público na ação civil pública em que acusa Crivella de improbidade administrativa por ferir a laicidade do Estado.

Além deste episódio, a Promotoria lista 1) eventos da Igreja Universal em escolas públicas, com ampla divulgação da marca da denominação; 2) dois censos religiosos, entre agentes da Guarda Municipal e 3) de usuários das academias "Rio ao ar livre"; 4) cessão gratuita da Cidade das Artes ao Festival de Cinema Cristão, a pedido da primeira-dama Sylvia Jane; 5) corte no apoio de eventos religiosos de matrizes africanas; 6) cessão gratuita do Sambódromo para a "Vigília do resgate", promovido pela Igreja Universal; 7) concessão de títulos de utilidade pública a igrejas evangélicas; 8) decreto que submetia ao prefeito a possibilidade de restringir eventos.

“A controvérsia, por óbvio, não se cinge na religião professada pelo prefeito, mas, sim, na interferência do poder público na vida privada das pessoas e na utilização da máquina pública para benefício de determinado segmento religioso, e em eventual discriminação contra os outros, o que não pode e nem deve ser admitido”, diz a ação distribuída para a 7ª Vara de Fazenda Pública.

A ameaça ao mandato é mais um capítulo de uma gestão que tem enfrentado dificuldades para superar a crise financeira do município, as brigas internas e o apetite por cargos de novos aliados, agregados ao governo com o objetivo de tentar sustentação mínima junto aos vereadores.

“O prefeito tem uma doença autoimune. Ele mesmo se destrói”, disse o vereador Paulo Pinheiro (PSOL).

“Se ele é mau ou bom gestor, isso será julgado em 2020”, disse o vereador Otoni de Paula (PSC).

O resultado foi obtido após intensa negociação entre o prefeito e vereadores em busca de cargos na prefeitura. O vereador Professor Adalmir (PSDB), embora tenha assinado pela suspensão do recesso na Câmara, não votou pela abertura do processo.

A coligação de Crivella elegeu apenas 4 dos 51 vereadores. Para conseguir apoio na Casa, teve de abrir espaço para membros do MDB, partido que atacou ao longo da campanha de 2016. Entregou a liderança do governo ao vereador Jairinho (MDB), que ocupou o mesmo posto na gestão Eduardo Paes (atualmente no DEM).

Contudo, há queixas de que o prefeito não cumpriu alguns dos acordos firmados. Vereadores veem o alcaide como um governante claudicante em suas decisões, o que provoca o vaivém de nomeações e exonerações no município.

A suspensão do recesso da Câmara para analisar o impeachment só foi possível após um grupo de vereadores que vinha apoiando o prefeito desembarcar da gestão.

“Tentamos ajudar, mas tudo o que fizemos foi jogado fora. É uma gestão desordenada. Decidimos não fazer mais parte desse desgoverno”, disse a vereadora Rosa Fernandes (MDB).

Fernandes afirmou ter sofrido ameaças após anunciar a saída da base de apoio do governo.

Até mesmo a base evangélica vem criticando o governo. O pastor Silas Malafaia, por exemplo, afirma que “a gestão Crivella tem muito o que melhorar”. Ele é contra o impeachment.

“Ele errou [ao reunir pastores no palácio]. Mas não para isso tudo. Faltou um pouquinho de inteligência política”, disse Malafaia, para quem líderes de outros credos deveriam ter sido convidados.

A falta de identidade também se refletiu no secretariado. Após dois meses de briga pública com o chefe da Casa Civil, Paulo Messina (PRB), César Benjamin foi exonerado nesta quarta (11) da Secretaria de Educação. Ao comentar a saída, classificou a gestão Crivella como “fragilizada e confusa”.

O prefeito também enfrenta dificuldades administrativas. O TCM o proibiu de fazer novas obras antes de concluir os mais de cem canteiros parados deixados pelo antecessor.

Crivella chegou a tentar recorrer à iniciativa privada para ter ao menos uma obra como vitrine para mostrar. Mas a PPP de obras em Rio das Pedras teve de ser cancelada após reação das lideranças políticas da região, dominada por milícias.

Apesar dos fracassos, o prefeito teve importantes vitórias na Câmara. Após forte negociação de cargos, aprovou a revisão da planta de cálculo do IPTU e a taxação de servidores aposentados.

A análise do impeachment foi mais um teste na capacidade de articulação de Crivella. E mais uma oportunidade para vereadores pleitearem espaço na prefeitura.

 

Entenda a situação de Crivella

O que motivou os pedidos de impeachment contra o prefeito do Rio?
Acusações de favorecimento a grupos religiosos. No último dia 4, Crivella se reuniu a portas fechadas com 250 pastores e líderes evangélicos e ofereceu ajuda para encaminhar fiéis a cirurgias e para agilizar isenções de IPTU às igrejas

O que ele disse no encontro?
Segundo áudios obtidos pelo jornal O Globo:
- Sobre cirurgias de catarata: "É só conversar com a Márcia que ela vai anotar, vai encaminhar, e daqui a uma semana ou duas eles estão operando"
- Sobre tratamento de varizes e vasectomia: "É muito importante os irmãos ficarem com o telefone da Márcia ou do Marquinhos porque às vezes ocorre um imprevisto"
- Sobre o IPTU: "Igreja não pode pagar IPTU, nem em caso de salão alugado. Mas, se você não falar com o doutor Milton, esse processo pode demorar e demorar"
- Sobre problemas viários próximos a igrejas: "Vamos botar um sinal de trânsito. Vamos botar um quebra-molas. [...] Vamos trazer o ponto pra cá. Vamos aproveitar esse tempo que nós estamos na prefeitura para arrumar nossas igrejas"

Quem é Márcia?
Márcia da Rosa Pereira Nunes é assessora de Crivella desde a época em que ele era senador. Quando ele virou prefeito, ela assumiu cargo de confiança na Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana). Já o "doutor Milton", segundo O Globo, é um advogado que presta serviços jurídicos a entidades religiosas na prefeitura

Favorecimento a grupos religiosos é crime?
A prática é vedada pela Constituição e pode configurar improbidade administrativa

Com a derrubada dos pedidos pela Câmara, Crivella está livre das acusações?
Não. Ele ainda deverá enfrentar uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do RJ nesta quarta (11) que o acusa de ferir a laicidade do estado em oito situações, além da reunião do dia 4. A oposição também tenta instaurar duas CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre supostas irregularidades em filas para cirurgias e isenções de IPTU a igrejas

Quais são as outras oito situações citadas pela promotoria?
1. Eventos da Igreja Universal em escolas públicas
2. Censo religioso na Guarda Municipal 
3. Censo religioso em academias de ginástica ao ar livre
4. Uso gratuito do complexo cultural Cidade das Artes pelo Festival de Cinema Cristão
5. Corte no apoio a eventos religiosos de matrizes africanas
6. Uso gratuito do Sambódromo para vigília promovida pela Igreja Universal
7. Concessão de títulos de utilidade pública a igrejas evangélicas
8. Decreto que permitia ao prefeito restringir eventos

Qual é a situação política do prefeito?
Ele tem pouco apoio na Câmara Municipal: sua coligação elegeu apenas 4 dos 51 vereadores e ele teve que abrir espaço para membros do MDB, partido que o atacou na campanha de 2016. Para barrar os pedidos de impeachment, Crivella negociou mais cargos na prefeitura. Vereadores o veem como um governante hesitante

O que Crivella diz sobre as acusações?
Ele nega favorecimento, diz que vai colaborar com as investigações e afirma que, na reunião, o objetivo era apenas prestar contas de sua gestão e apresentar programas sociais existentes. "O prefeito já recebeu os mais diversos representantes da sociedade civil para tratar dos mais variados assuntos", afirmou a prefeitura

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