Descrição de chapéu

Claudio Weber Abramo tinha raciocínio apurado e criticava soluções fáceis

Fundador da Transparência Brasil sempre insistiu no combate à corrupção a partir de métricas e estudos

Fabiano Angélico Marcelo Issa

Tivemos o privilégio de trabalhar na Transparência Brasil sob a liderança de Claudio Weber Abramo na primeira década dos anos 2000, quando a cultura patrimonialista dos governos brasileiros já era secular e repetidamente reconhecida, mas poucas eram as organizações da sociedade civil a incomodá-la. 

Àquela altura, Claudio nos orientava a conformar o projeto Excelências, iniciativa vanguardista na compilação e publicação de perfis parlamentares, ganhadora do Prêmio Esso de Jornalismo de 2006.

Ao lado da fotografia de cada mandatário, publicavam-se seu histórico de filiação partidária, suas posições durante a atividade legislativa, sua declaração de bens, seus financiadores de campanha, além de eventuais concessões de rádio e televisão e processos por corrupção.

O jornalista Cláudio Weber Abramo, especialista em combate à corrupção
O jornalista Cláudio Weber Abramo, especialista em combate à corrupção - Alan Marques - 31.jan.2006/Folhapress

Com frequência, o telefone tocava e, do outro lado da linha, alguém indignado fazia ameaças porque a verdade lhe estaria sendo prejudicial eleitoralmente. 

Mais de um desses telefonemas transformou-se em processo judicial, movido por uma excelência contra a transparência de sua atuação na arena pública. 

Todos os processos resultaram em absolvição, dado que não se divulgavam inverdades ou informações falsas. 

Tais decisões eram, então, publicadas no site da Transparência Brasil para buscar refrear impulsos semelhantes.

Poucos anos depois, Claudio levantou-se pela regulamentação do direito de acesso a informações públicas. O Brasil era, então, um dos poucos países democráticos do planeta sem uma lei para disciplinar a oferta de dados e informações governamentais.

Sua atuação foi decisiva para articular, propor e defender a necessidade de organizar a abertura de informações detidas pelo Estado.

Desde 2011, quando foi sancionada, a Lei de Acesso a Informação tem permitido que imprensa, sociedade civil, academia e cidadãos em geral identifiquem desmandos e participem com mais efetividade da avaliação de políticas públicas.

Mesmo debilitado pela doença que levou à sua morte neste domingo (12), Claudio mantinha-se atento. No mês passado, enquanto se comemorava a aprovação do projeto de lei que trata da proteção de dados pessoais, ele foi a única voz a chamar a atenção para a possibilidade de que alguns dos dispositivos da legislação passassem a representar obstáculos à transparência de informações de interesse público.

Claudio era dono de um raciocínio apurado e rigoroso. Sabia que o combate à corrupção não se faz com bravatas e moralismos, mas com a criação de mecanismos de prevenção, transparência e controle.

Crítico contumaz de soluções fáceis, elaboradas sem base em evidências, Claudio sempre insistiu na necessidade de se discutir o combate à corrupção a partir de métricas e estudos.

Numa época em que o debate anticorrupção está contaminado por preferências político-ideológicas, lembrar de Claudio Weber Abramo e ler artigos produzidos por ele é um bálsamo. 

É provável que permaneça insuficiente o reconhecimento à contribuição de Claudio Weber Abramo para nossa democracia e para a integridade daquilo que é de todos e de ninguém ao mesmo tempo. O telefone ainda toca, mas não assusta mais. 

Angélico, mestre em Administração Pública e autor do livro “Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático”, é consultor sênior da Transparência Internacional.

Issa, advogado e cientista político é coordenador do Transparência Partidária.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.