Descrição de chapéu Eleições 2018 Venezuela

Crise migratória vira principal assunto da eleição em Roraima

Candidatos se unem em discurso contra refugiados, e governadora diz que fronteira aberta afeta popularidade

Michel Temer em encontro com Suely Campos, em Roraima
Michel Temer em encontro com Suely Campos, em Roraima - Beto Barata - 12.fev.18/Presidência
Patrícia Campos Mello Avener Prado
São Paulo

Movidos por pesquisas que mostram os roraimenses cada vez mais incomodados com a entrada dos imigrantes, os candidatos ao governo de Roraima se esforçam para convencer os eleitores de que salvarão o estado da “invasão venezuelana”.

Roraima tem hoje cerca de 50 mil venezuelanos, que emigraram por causa da crise no país vizinho.

A governadora, Suely Campos (PP), aposta todas as fichas no discurso linha dura contra imigração para tentar ressuscitar sua popularidade —ela amarga uma taxa de rejeição de 62%— em meio a uma crise fiscal que faz o governo sistematicamente atrasar os salários dos servidores. Suely baixou um decreto que restringe o acesso dos venezuelanos ao sistema de saúde, exigindo apresentação de passaporte, e pede ao governo federal o fechamento da fronteira. As duas medidas foram derrubadas, mas angariaram certa simpatia da população.

Mesmo assim, Suely estacionou no terceiro lugar, com 14% das intenções de votos na última pesquisa Ibope. Ela enfrenta um outsider apoiado pelo presidenciável Jair Bolsonaro, Antonio Denarium (PSL), e o ex-governador José de Anchieta Júnior (PSDB), que tem o endosso do senador Romero Jucá (MDB).

Anchieta está em primeiro lugar, com 36%, mas é seguido de perto por Denarium (20%), que tem o apoio precioso de Bolsonaro, num estado onde o presidenciável do PSL supera até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas intenções de voto.

A governadora tem pouco apoio na Assembleia. Seu governo começou de forma atribulada. Em 2014, ela substituiu o marido, o ex-governador Neudo Campos, como candidata, após ele ser impedido de concorrer por causa da Lei da Ficha Limpa. 

O estado vive situação fiscal complicada. Cerca de 80% da receita de Roraima vêm do Fundo de Participação dos Estados, ou seja, repasses federais. O estado depende muito de emendas parlamentares —daí a popularidade de Jucá, um campeão nas emendas. Mas o senador, rival de Neudo e Suely, emplaca emendas principalmente para beneficiar a capital, Boa Vista, onde a prefeita é Teresa Surita (MDB), ex-mulher de Jucá.

O motor da economia é o funcionalismo —a indústria é incipiente e o setor agropecuário só agora retoma força. 

“A governadora está bem desgastada, principalmente por causa da crise orçamentária, mas ganha fôlego com o discurso de fechamento das fronteiras”, diz o cientista político Eloi Senhoras, professor da Universidade Federal de Roraima. 

Ele não descarta a possibilidade de Suely vencer o pleito, pois as pesquisas em Roraima já erraram antes. Em 2014, Suely estava bem atrás do líder, Chico Rodrigues (PSB), e acabou vencendo.

Em meio a essa crise, Suely se agarrou ao discurso anti-imigração. Ela afirma que, por ser rival do grupo de Jucá, ligado ao governo Michel Temer, vem sendo prejudicada no repasse de verbas federais e não tem recursos para lidar com a crise migratória. 

“Desde 2016 acionamos o governo federal, mandávamos relatórios mostrando como estavam sobrecarregadas nossas unidades de saúde, mas eles só enviaram recursos para as Forças Armadas construírem abrigos para os venezuelanos, para o estado, não veio nada”, diz. “O governo federal vê só a parte dos venezuelanos, não vê a parte do roraimense afetado.”

Ela reivindica R$ 184 milhões de reais para reembolso de seus gastos por conta da entrada dos migrantes.
Segundo a governadora, a imigração afetou sua popularidade. “As pesquisas qualitativas mostram que as pessoas acham que a governadora pode fechar a fronteira. Eu tive que explicar.”

Denarium cresce na maré de descrédito dos políticos tradicionais e é apoiado por um grupo de grandes empresários roraimenses. Em abril, fez campanha ao lado de Bolsonaro, que criticou a lei de imigração, e defendeu a implantação de campos de refugiados.

Denarium —que é  agropecuarista, tem empreendimentos imobiliários e é sócio de um frigorífico— é um dos políticos que repetem que, de cada 10 flagrantes policiais no estado, 8 são de venezuelanos —estatística que não corresponde à realidade. Segundo levantamento do Tribunal de Justiça do estado, em 2017, das 1.300 audiências de custódia realizadas, 71 envolveram venezuelanos. Em Pacaraima, cidade na fronteira que mais sofre com a entrada de migrantes, os BOs envolvendo venezuelanos correspondem a 65% do total.

“Junto com refugiados, estão entrando traficantes e marginais; um país, a Venezuela, não cabe dentro de Roraima”, diz Denarium. 

“Precisamos restringir a entrada, exigir atestado de antecedentes criminais, acelerar o processo de interiorização , e mexer nesses tratados internacionais fechados pelo Itamaraty, que deixam todo mundo entrar. Além disso, essas ONGs todas que estão aqui deveriam ir para a Venezuela e atender esse pessoal lá, evitando que eles entrem no Brasil.”

Para o cientista político Senhoras, Denarium pode canibalizar votos de Anchieta, pois os dois atraem o mesmo segmento do eleitorado de centro-direita.

Mesmo assim, a candidatura de Anchieta é muito forte —ele tem apoio no interior do Estado, enquanto Jucá é forte na capital. “E Jucá, apesar do desgaste por causa dos processos de corrupção e por não ter conseguido arrancar do governo federal nenhuma medida mais impactante para lidar com a imigração, ainda é muito forte, como o político que mais leva recursos para o estado”, diz Senhoras.

“Simplesmente criar abrigos e dar verba pro Exército não resolve nosso problema, só serve para eles dormirem à noite. De dia eles estão na rua, concorrendo com a nossa mão de obra”, diz Anchieta. “A população se sente incomodada. Não é xenofobia, é uma questão de sobrevivência para as pessoas que moram aqui.”

OUTROS CANDIDATOS

Além dos candidatos ao governo, postulantes aos cargos de deputado federal e estadual também investem na retórica anti-venezualanos.

A candidata a deputada federal Dani Ladislau (PR) criou um abaixo-assinado virtual pedindo controle da imigração, com carteira de vacinação, exigência de passaporte para acesso a serviços públicos, revisão da lei do refúgio. “As pesquisas quali mostram que as pessoas não aguentam mais os venezuelanos, eu entrei na política por causa disso, é preciso controlar o número de pessoas na fronteira”, diz. “Eu sempre defendi esse controle, outros políticos estão aderindo a esse discurso só agora.”

O candidato a deputado estadual Ezequiel Calegari (Patriota), que mantém uma página anti-imigração, também defende restrições na entrada e aponta os venezuelanos como culpados pelo aumento na violência no estado. “Também tem bandido no Brasil, mas são os nossos, não precisamos importar bandido”, diz.

O tema também é combustível para ataques políticos. Um vídeo da prefeita de Boa Vista, Teresa Surita, mencionando a possibilidade de se adotar aluguel solidário como se fez em Manaus virou arma para adversários políticos.

Com recursos federais, seriam alugados apartamentos pela prefeitura para os venezuelanos, com forma de driblar a falta de vagas em abrigos e reduzir o número de imigrantes dormindo nas ruas. “O brasileiro ganha um salário mínimo e tem que comprar comida e pagar aluguel; - agora, porque eles são venezuelanos e chegaram aqui, vão receber aluguel solidário e vale alimentação?”, pergunta a advogada Josy Keila Carvalho, ex-candidata ao Senado. 

Teresa engavetou a proposta.

E há espaço para a disseminação de teorias conspiratórias. Muito políticos –entre eles a governadora– mencionam relatos de que alguns grupos políticos querem estimular a vinda de venezuelanos por conta da PEC-25, em tramitação, que permite que estrangeiros votem e sejam votados em eleições municipais.

“Tem umas histórias aparecendo aí que estão votando no congresso uma lei para que esses estrangeiros possam ter o direito de voto”, diz Suely. “Se for verdade, há uma manobra aí para que eles venham, tenham documentos garantidos e aí virem eleitores.”

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