Dirigente da Odebrecht deixa cargo após virar réu por suspeita de corrupção

Vice-presidente do grupo é acusado de participar da compra de uma medida provisória por R$ 50 mi

Mario Cesar Carvalho
São Paulo

O vice-presidente jurídico do grupo Odebrecht, Maurício Ferro, pediu para deixar o cargo na noite desta sexta-feira (17) após se tornar réu por suspeita de corrupção.

Ele é acusado de ter participado do processo que resultou na edição de uma medida provisória pelo governo Lula, em 2009, em troca de doação de R$ 50 milhões para o caixa dois do PT, segundo Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo.

O ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, deixa Justiça Federal de Curitiba, em dezembro
O ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, deixa Justiça Federal de Curitiba, em dezembro - Bruno Santos - 19.dez.2017/Folhapress

Ferro tornou-se réu na última segunda-feira, mas não foi afastado ou demitido pela Odebrecht, como recomendam os manuais de ética corporativa ou “compliance”. Ele pediu para sair na sexta (17).

A reportagem da Folha havia questionado a permanência de Ferro na vice-presidência jurídica da holding na véspera. Ele disse na carta de demissão que sai para cuidar da sua defesa. Ele não é delator.

A resistência da Odebrecht em afastar Ferro mostra que o grupo enfrenta percalços para implantar novas práticas, segundo Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional no Brasil, a entidade mais influente em questões de combate à corrupção no mundo.

“A permanência dessas pessoas na alta direção tira toda a credibilidade da suposta 'virada de página' e tolerância zero à corrupção que a Odebrecht vem anunciando. A Transparência Internacional tem repetido isso há muito tempo”, disse Brandão à Folha

“Não é possível manter dentro da empresa criminosos confessos ou gente que esteve imersa na cultura corporativa de corrupção que predominou na companhia durante tanto tempo”. Para ele, o executivo deveria ter sido afastado “há muito tempo”.

Em dezembro de 2016, quando fez o maior acordo de delação na história brasileira, com 87 delatores, a Odebrecht anunciou que sua política seria de tolerância zero com corrupção. “Estamos comprometidos, por convicção, a virar essa página”, dizia em anúncio.

Ferro é casado com Monica Odebrecht, irmã de Marcelo e filha de Emilio Odebrecht, ex-presidente do conselho.

Marcelo considerava injusto que ele tenha ficado dois anos e meio preso em Curitiba (PR), vai ficar mais dois anos e meio em prisão domiciliar enquanto Ferro nem se tornara delator.

Ao sair da prisão, no final do ano passado, Marcelo começou a reunir e-mails mostrando que Ferro participara de aparentes crimes ao lado dele próprio e de dirigentes da Odebrecht e Braskem que não se tornaram delatores, como Newton de Souza, que ocupou a presidência da Odebrecht quando Marcelo foi preso.

A Braskem é o braço petroquímico da Odebrecht em sociedade com a Petrobras. Com a medida provisória editada em dezembro de 2009, a dívida tributária da Braskem caiu de R$ 5,5 bilhões para R$ 1,9 bilhão.

Ferro e Newton de Souza, ex-presidente da Odebrecht que se orgulhava de ter conduzido o acordo do grupo, tornaram-se réus no mesmo processo da suposta compra da medida provisória após Marcelo enviar à força-tarefa da Lava Jato mensagens em que eles discutiam estratégias ou eram informados dos passos que a empresa dera para negociar a MP em troca de propina.

À época da negociação da medida provisória, Ferro era diretor jurídico da Braskem. Newton, que fora escolhido para ocupar o cargo máximo do grupo, o de presidente do conselho, caiu após Marcelo mostrar que ele sabia da prática de suborno da empresa.

A MP, segundo Marcelo, foi acertada com o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e Antonio Palocci, deputado federal pelo PT à época.

Numa das mensagens que Marcelo encontrou em seu computador, Ferro diz o seguinte após ser informado que haveria um encontro com Mantega: “No assunto IPI, vale a pena reconfirmar o compromisso da MP e da contra-partida”. 

A contrapartida era propina de R$ 50 milhões, ainda de acordo com Marcelo.

Em depoimentos à Justiça, ele confirmou que Ferro sabia do caixa dois e que “era o responsável pelas tratativas deste tema [MP] junto ao Ministério da Fazenda”.

Mantega e o PT negam que a MP tenha sido comprada por R$ 50 milhões. Eles dizem que a medida foi necessária para proteger empresas da crise econômica de 2009.

O outro lado

O ex-vice-presidente jurídico da Odebrecht enviou nota ao jornal nesta segunda (20) na qual diz que seu pedido de demissão não tem ligação com os questionamentos da Folha.
Ferro afirma que fez o primeiro comunicado sobre sua saída na terça (14), dois dias antes de o jornal ter procurado a Odebrecht para saber da situação do executivo.
Na nota ele afirma que formalizou a sua saída na quinta (16). A assessoria da Odebrecht havia dito que a formalização ocorrera na sexta (17).
Sobre o email apresentado pela força-tarefa da Lava Jato como indício de que Ferro sabia das práticas ilegais da Odebrecht, ele diz que que a expressão contrapartida "nada tem a ver com pagamento de propina". Segundo ele, o termo "foi utilizado à época para se referir às condições tributárias equilibradas que seriam concedidas pelo governo federal a empresas do setor, em contrapartida ao pagamento dos seus débitos do IPI no âmbito do Refis".
A Folha não conseguiu localizar a defesa de Souza.

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