Descrição de chapéu
Eleições 2018

Futuro fica de fora dos antigos discursos em convenções retrô

Na primeira eleição presidencial após a consolidação da Lava Jato, nem as caras eram novas, muito menos o enredo

São Paulo

Quem se deu ao trabalho de acompanhar as convenções partidárias, que ocuparam todo o sábado (4) e oficializaram os últimos candidatos à Presidência da República, deve ter pensado que já viu esse filme antes.

Foi exibido um filme de época. O futuro ficou de fora da enxurrada de discursos que poderiam ter sido feitos em eleições passadas, um festival de platitudes e promessas vazias.

Na primeira eleição presidencial após a consolidação da Lava Jato, ainda iniciante em 2014, nem as caras eram novas, muito menos o enredo.

Dos 24 candidatos a candidatos que se apresentaram no início da campanha, sobraram 13. Os “outsiders” fugiram da raia e, entre os principais concorrentes, ninguém surpreendeu a plateia.

Lá estavam novamente Geraldo Alckmin, Marina Silva e Álvaro Dias e as máscaras de Lula na convenção do PT.

 

Nem se pode dizer que o capitão reformado Jair Bolsonaro, lançado em dias anteriores, é uma grande novidade ---ele que já está em seu sétimo mandato de deputado federal e virou um político profissional de nicho de mercado da extrema direita depois de sair do Exército.

Desta vez, não houve grandes festas para comemorar o lançamento oficial dos candidatos. Ao contrário, o que se viu foram rituais burocráticos de homologação, não houve nenhuma disputa interna.

Por ordem de colocação nas pesquisas, a convenção mais esperada era a do PT, também sem surpresas. Lula será o candidato do partido pela sexta vez.

Em discurso inflamado, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann avisou que o PT vai registrar Lula dia 15 no TSE, mesmo o candidato estando preso há quatro meses em Curitiba, para denunciar o “sistema podre” que o deixou fora da campanha.

Provável substituto, o ex-prefeito Fernando Haddad ---confirmado vice na noite de domingo (5)--- inflamou a militância ao prometer a conquista do “pentacampeonato eleitoral”, mas o programa do partido, que ele coordenou, anunciado na convenção, não foi além da constatação de que “é preciso investir para acelerar a economia com inflação controlada, crédito disponível, juros baixos e geração de empregos”. No lançamento da sua candidatura, semana passada, o ex-ministro Henrique Meirelles, do MDB, disse exatamente a mesma coisa.

Qualquer outro partido, em qualquer época, poderia apresentar o mesmo diagnóstico.

Discutiu-se mais na convenção petista as alianças que ainda estão em aberto e o nome do vice-substituto do que propostas para o país.

Mas, na mesma hora da convenção, Ciro Gomes, que já tinha sido lançado pelo PDT, jogou um balde de água fria num possível acordo: “Com dor no coração, não espero mais nada do Partido dos Trabalhadores”.

Na convenção de Marina Silva, agora da Rede, que já disputou eleições presidenciais pelo PV e pelo PSB, e só reaparece em cena de quatro em quatro anos, como a Copa do Mundo, teve muita dança e cantoria, mas pouca sustância política.

Quem roubou a cena foi o seu candidato a vice, Eduardo Jorge, do PV, que dançou no palco e defendeu o veganismo e o vegetarianismo numa linguagem cifrada para leigos, como o discurso de Marina, que prometeu: “Dessa vez, a postura vai derrotar as estruturas”. Marina gosta de uma rima.

Jorge também caprichou: “Precisamos do abolicionismo animal, os animais têm direito à terra, ninguém disse que eles estão aqui para serem nossos escravos e torturados diariamente para colocar um pedaço de carne na mesa”. Há controvérsias sobre se esse tipo de proposta vai aumentar o eleitorado de Marina, que vem caindo a cada pesquisa.

Para conseguir superar a cláusula de barreira em sua primeira eleição, Marina explicou assim como o partido pretende chegar lá: “Nossas estratégias são no sentido de não permitir que partidos programáticos tenham que ser desconstruídos”.

O ex-governador tucano Geraldo Alckmin, que concorre pela segunda vez (perdeu para Lula em 2006), fez o seu discurso de sempre, um pouco mais enfático desta vez, prometendo mais recursos para os municípios e um imposto único, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), tema que não chegou a empolgar os convencionais.

Em seu discurso, os principais alvos de Alckmin foram Bolsonaro, que está bem à sua frente nas pesquisas, e o PT, que ele responsabilizou pelo desemprego, sem entrar em detalhes sobre como pretende resolver este grande drama social do país.

Pregando a união nacional, como Michel Temer fez ao assumir o lugar de Dilma, Alckmin disparou contra o candidato militar, sem muita sutileza: “Precisamos da ordem democrática, que dialoga, que não exclui, que tolera as diferenças, que não busca resolver tudo na pancadaria, nem usa o ódio como combustível de manipulação eleitoral”.

Assim como Alckmin, todos os candidatos em seus discursos disseram que o Brasil precisa fazer isso ou aquilo, mas nenhum se deu ao trabalho de explicar como fazer. Nem as plateias dos militantes já convertidos prestavam muita atenção nas falas.

Numa breve aparição, falando da plateia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que andava meio sumido dos encontros do partido, defendeu a “simplicidade” do seu candidato e pediu “cadeia contra a corrupção e a violência”, sem nominar seus alvos. Aécio Neves não foi à convenção tucana.

O único a apresentar uma proposta nova, com aquela impostação de voz antiga de locutor de FM, foi o senador paranaense Álvaro Dias, do Paraná, lançado pelo Podemos, em Curitiba, a terra da Lava Jato, que ele exaltou, “para continuar a limpar o país”.

Dias propôs simplesmente a “refundação da República”  o que, para ele, representa “a substituição do balcão de negócios, do aparelhamento do Estado, dos privilégios sustentados pelo povo. Não temos República, temos algo que se parece com o Império”.

Também não explicou como pretende fazer essa refundação com os mesmos políticos de sempre, que devem se reeleger.

Político profissional desde os anos 70 do século passado, o candidato já passou por sete partidos, e não se ficou sabendo se a referência ao Império era dirigida a Jair Bolsonaro, que pretendia entronizar um príncipe herdeiro da Família Real como seu vice.

Era só o que faltava para abrilhantar este festival retrô em que se transformou a política brasileira no ano da prometida grande renovação.

Já lançado oficialmente, Jair Bolsonaro, do PSL, participou no domingo (5) da convenção paulista de seu partido. Dispensou o príncipe e convocou para vice o general Hamilton Mourão, seu assessor de campanha.

A chapa do capitão com o general foi lançada num clube da zona norte de São Paulo, com muita gente em trajes com estampas militares.

Acompanhado dos filhos e do ator Alexandre Frota, Bolsonaro subiu ao palco ao som da bateria de uma escola de samba e partiu logo para o ataque contra o que chamou de “esquerdalha”, uma antiga expressão militar usada nos anos de chumbo.

Já vimos esse filme antes e o final não foi feliz. No Brasil de 2018, a vida política continua andando para trás. Corremos o risco de voltar a 1964. O futuro que espere.

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