Católico, Bolsonaro investe em pauta evangélica e domina segmento

Querido no bloco religioso, deputado se batizou em 2016 já de olho em candidatura

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São Paulo

Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus. 

Por sete vezes Jair Bolsonaro evocou, no primeiro discurso que deu após ser eleito presidente do Brasil, o ente máximo para as maiores religiões do planeta. E se chegou tão longe pode dar graças a Deus e também a líderes evangélicos que dizem falar em Seu nome.

Há anos Bolsonaro vem construindo um sólido arco com este que é o bloco religioso em maior expansão no país. Evangélicos eram 9% no começo da década de 1990 e hoje já têm o triplo de tamanho (30%). 

Salpicou com acessórios religiosos suas primeiras falas após o triunfo eleitoral. “O nosso slogan eu fui buscar naquilo que muitos chamam de caixa de ferramenta para consertar o homem e a mulher, que é a Bíblia Sagrada. Fomos em João 8:32: e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, afirmou.

Jair Bolsonaro é batizado nas águas do rio Jordão, em Israel
Jair Bolsonaro é batizado nas águas do rio Jordão, em Israel - Reprodução

Um dos dois pronunciamentos que fez no domingo (28) de sua vitória foi precedido por uma oração puxada pelo pastor e senador de saída Magno Malta (PR-ES), que não se reelegeu mas pode ganhar um cargo no governo do amigo. 

“A Tua palavra diz que a autoridade é ungida por Deus, e o Senhor ungiu Jair Bolsonaro”, declarou o também cantor gospel (lidera a banda Tempero do Mundo), todos de olhos fechados, tudo ao vivo na TV.

Confusão comum é tomar Bolsonaro como evangélico. Ele não é. É casado com uma adepta dessa fé, Michelle, o filho Flávio é batista como a esposa, e sua interlocução com pastores é ótima —Silas Malafaia celebrou seu terceiro casamento e no altar exaltou um Deus que fez “macho e fêmea”, e “o resto é blá-blá-blá”.


Mas o capitão reformado, desde sempre, declara-se católico, e nada mudou até aqui.

Em 12 de maio de 2016, mesmo dia em que o Senado dava sinal verde para abrir o processo de impeachment da petista Dilma Rousseff na Casa, Bolsonaro se deixou batizar nas águas do rio Jordão (onde diz a Bíblia que Jesus teria sido batizado). A imersão foi feita pelo presidente do Partido Social Cristão, Pastor Everaldo, durante uma viagem a Israel.

“Peso-pesado”, brincou, ao puxar o homem de bata branca das águas, o líder da legenda na qual Bolsonaro havia entrado dois meses antes, com a promessa de ser candidato ao Planalto (migrou em 2018 para a atual sigla, PSL).

Daí a ideia difundida de que Bolsonaro  se converteu à religião da esposa. Um erro, diz à Folha Everaldo. “As pessoas não entendem que batismo não é coisa de evangélico ou católico, mas de todos que creem que Jesus é seu salvador.”
 

Bolsonaro sequer possui o hábito de frequentar igrejas, embora às vezes acompanhe Michelle em alguns cultos.

Segundo o sociólogo da USP Ricardo Mariano, que estuda a ascensão evangélica, Bolsonaro tinha outro bom motivo para aceitar ser submerso no Jordão pelo pastor da Assembleia de Deus: faro eleitoral.

“O batismo tinha mais viés eleitoral do que qualquer coisa. Bolsonaro está em campanha há quatro anos, como ele mesmo disse”, afirma.

Católicos ainda são o maior naco religioso do eleitorado, 56%, aponta pesquisa Datafolha. Mas boa parte só diz que é católica, sem necessariamente ser praticante, enquanto “evangélicos são muito mais ativos, compromissados”.  

Jair Bolsonaro vai à igreja Batista Atitude acompanhado de sua esposa, Michelle, e recebe oração
Jair Bolsonaro vai à igreja Batista Atitude acompanhado de sua esposa, Michelle, e recebe oração - Reprodução

Ou seja: fidelizam. Fora terem um senso de comunidade forte, no qual ideias circulam mais fácil. E que político não aprecia ter seu nome propagado num grupo coeso?

O Brasil já teve dois evangélicos na Presidência: o presbiteriano Café Filho e o luterano Ernesto Geisel, que mandou pintar de branco o teto da capela do Palácio da Alvorada (sua fé veta o culto a imagens sacras, como as que ornavam o afresco de Athos Bulcão). 

Teve também dois candidatos evangélicos com peso eleitoral: Garotinho (2002) e Marina Silva (2010, 2014 e a mal sucedida votação de 2018). 

Mas nenhum deles chegou perto do apoio que Bolsonaro amealhou entre gigantes evangélicas, como a Universal do bispo Edir Macedo, também dono da Record —que vem lhe reservado espaço generoso e tom amigável.

A eleição do católico foi celebrada entre evangélicos tal qual final de Copa do Mundo.  

“Desde o início da redemocratização, várias igrejas, sobretudo pentecostais, passaram a promover uma instrumentalização da política, e vice-versa. No segundo turno de 1989, o apoio foi em massa para Collor, e ali já começavam as fake news”, diz Mariano. 

Exemplo: corria solto o bato de que o PT, aliado a padres da progressista Teologia da Libertação, implantaria um “comunismo católico”. “Dizia-se que muito pastor seria preso, iria para o paredão”, afirma.

Malafaia diz à Folha que sua amizade com Bolsonaro começou por volta de 2006, ano de criação de um projeto de lei que horrorizou a bancada evangélica no Congresso: o PL 122, que criminalizava a homofobia. Pastores temiam processos caso pregassem contra o casamento gay, se o texto fosse aprovado.

Em 2010, a relação com evangélicos se estreita após Bolsonaro abraçar a luta contra um pacote anti-homofobia a ser adotado em escolas, que a frente religiosa rotulou de “kit gay”. Naquele ano, ele integrava  a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e, ao debater a Lei da Palmada, declarou: “Se o filho começa a ficar, assim, meio gayzinho, leva um couro e muda o comportamento”.

Entre evangélicos, explica Mariano, “estoura na última década a ideia de que adversários estão tentando destruir a família tradicional”. O PT se valeria de livros didáticos para difundir marxismo, ideologia de gênero.

Das fake news mais populares: petistas queriam distribuir em creches mamadeiras com bico em formato de pênis com o pretexto de combater homofobia.

Tudo isso ajudou a amalgamar o eleitorado evangélico, que deu a Bolsonaro cerca de 22 milhões de votos (70% do segmento), segundo projeção do Datafolha. Sua diferença com Fernando Haddad (PT) foi de 11 milhões de eleitores.

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