Descrição de chapéu Eleições 2018

Haddad enfrentou tropeços e tentou sair da sombra de Lula

Petista mudou discurso para recuperar terreno; frente democrática patinou

São Paulo

Fernando Haddad estava mais nervoso do que de costume naquele 20 de setembro. Ainda no camarim de seu primeiro debate como candidato do PT ao Planalto, não poupou de mau humor nem os assessores mais próximos.

Dobradura com fotografia do candidato Fernando Haddad (PT)
Dobradura com fotografia do candidato Fernando Haddad (PT) - Pablo Saborido sobre foto de Nacho Doce/Reuters

Quando um deles arriscou perguntar o motivo de tanta irritação, resumiu, com ironia, a angústia que o acompanharia por toda a campanha. “Minha vida está fácil: só me pediram para entrar no lugar do Lula, ganhar a eleição, tirá-lo da cadeia e arrumar a economia. Depois, volto a ser Fernando Haddad.”

Voltar a ser Fernando Haddad pareceu imperativo para o herdeiro do ex-presidente na largada ao segundo turno.

Empurrado até lá pela popularidade do padrinho político, o ex-prefeito de São Paulo avaliou que era preciso se afastar de Lula, colocando-se como um nome além do PT —e, consequentemente, do petismo— se quisesse vencer.

O movimento se impôs já na noite de 7 de outubro. Haddad foi surpreendido ao ver seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL), quase levar a disputa no primeiro turno.

Abertas as urnas, a constatação do petista foi a de que seria preciso conquistar parte dos 46% dos votos do capitão reformado —e não só brancos, nulos e indecisos— para ser eleito presidente.

Abatido, fez de seu discurso a defesa da formação de uma frente democrática contra Bolsonaro que seria composta, entre outros, por Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

O gesto de aproximação aos que não se alinharam ao PT nos anos pós-impeachment, porém, se chocava com a essência de setores do partido.

Um PT hegemonista e pouco afeito à autocrítica resistia em acenar à centro-direita e, em duelo com o grupo do candidato, deu início a pelo menos dez dias de uma campanha errática que pode custar à sigla uma derrota histórica.

O compromisso do dia seguinte ao primeiro turno, por exemplo, já materializava a contradição. Haddad queria mostrar independência, mas, para isso, precisou da bênção de Lula em visita à cela do ex-presidente em Curitiba.

Com o comando da equipe finalmente na mão, o candidato passou três dias enfurnado em hotéis de São Paulo. Tentava organizar a tropa e detectar os erros até ali.

A campanha, que demorou a perceber a forte onda pró-Bolsonaro e hesitou em atacá-lo até a reta final do primeiro turno, também perdia tempo precioso tentando se recuperar do baque das urnas.

Sem eventos de rua na saída do segundo turno, Haddad tirou Lula do material de campanha e dos programas eleitorais no rádio e na TV, promoveu mudanças no seu plano de governo e fez até elogios ao juiz Sergio Moro, um dos algozes do ex-presidente.

Mas nada disso deu resultado. Na véspera do segundo turno, Ciro gravou um vídeo no qual não se posicionava em favor do petista. E mais: já se apresentava como possível líder da oposição.

O contato de Haddad com FHC, por sua vez, só aconteceu na última semana —e com contornos genéricos.

E a conversa com o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa foi pouco assertiva, rendendo uma declaração de voto somente neste sábado (27).

Haddad estava ladeado por um hábil articulador político, Jaques Wagner. Mas nem ele conseguiu avançar com as tratativas. O presidenciável sabia que estava atrasado, mas a campanha parecia esperar um fato novo para reagir.

Em reunião no dia 16 de outubro, ouviu que era preciso falar grosso com Bolsonaro e apresentar propostas objetivas para o eleitor mais pobre, que estava migrando para a órbita do capitão reformado.

Propor aumento de 20% no Bolsa Família, um teto de R$ 49 para o preço no botijão de gás e priorizar a pauta da segurança pública eram os tópicos à mesa. Haddad topou as duas primeiras. Sobre segurança, disse ser “inútil” insistir num tema que é a praia de Bolsonaro —e não a do PT. Desta vez, não foi contrariado.

A uma semana da eleição, ele deu, finalmente, a virada em seu discurso: anunciou as medidas socioeconômicas e chamou o adversário de “soldadinho de araque” —quatro dias depois, o Datafolha mostrava a recuperação de parte de seu eleitorado no Nordeste.

O ânimo da campanha melhorou no último dia 18, quando a Folha mostrou que empresários impulsionaram disparos por WhatsApp contra o PT. O partido admitiu ter subestimado as ações nas redes sociais —principalmente no aplicativo de mensagens— e iniciou uma ofensiva política e jurídica contra Bolsonaro, que passou a ser investigado.

O discurso virulento e autoritário do candidato do PSL a uma semana da eleição, somado à declaração feita em julho, mas revelada agora, de um de seus filhos, Eduardo, sobre fechar o STF, mexeram com a energia da campanha.

Esses fatos, dizem analistas, corroboravam a tese petista de levar Bolsonaro ao extremo, atrelando-o à ditadura e à tortura, e despertaram a reação de diversos atores políticos. Marina, por exemplo, declarou apoio a Haddad, depois veio Joaquim Barbosa, mas faltaram Ciro e FHC, com quem o petista mais contava.

Apesar do discurso público de que era possível reverter o placar, aliados de Haddad admitiam que uma virada inédita parecia muito difícil.

O crescimento na reta final deu ânimo aos petistas, que esperam, se derrotados, compor uma oposição mais forte e coesa.

A figura de Haddad, afirmam, ganhou força qualquer que seja o resultado. Certa vez, durante um café com um amigo, o presidenciável descreveu como sentia o peso desta campanha: “Se eu ganhar, o mérito será de Lula, se eu perder, a culpa será minha”.

Mas o quadro mudou. Apesar das contradições e do atraso para reagir em vários momentos, Haddad carregou a militância em torno de seu discurso, e até mesmo o ex-presidente já reconhece o vigor do papel do afilhado na chegada a este 28 de outubro.

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