Descrição de chapéu Eleições 2018

Marina Silva encolhe, não supera trauma de 2014 e chega miúda à reta final

Mesmo com os 4% da candidata, apoiadores ainda não jogaram a toalha, pelo menos em público

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São Paulo

Na manhã de terça-feira passada (25), a candidata Marina Silva (Rede) foi indagada no Twitter sobre os ataques que vinha sofrendo do pastor Silas Malafaia por apoiar plebiscitos para o aborto e a maconha. 

“Costumo dizer que eu prefiro sofrer uma injustiça do que praticar uma injustiça. Graças a Deus, eu entrei nesta campanha para oferecer a outra face”, respondeu.

Mas, apesar de pregar o perdão, Marina Silva, 60, não consegue esquecer o massacre que sofreu em 2014, quando a campanha do PT desconstruiu sua candidatura presidencial.  

Aliados dizem que Marina sofre de uma espécie de “estresse pós traumático” —ela não superou o ressentimento em relação ao PT, apontado como culpado até pelo encolhimento drástico da sua candidatura nesta eleição.

As intenções de voto da presidenciável derreteram em menos de três meses. Em agosto, ela estava em segundo lugar, com 16%, atrás apenas do líder, Jair Bolsonaro (PSL). Na pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira (4), tinha 4% e estava em quinto lugar, empatada com João Amoêdo (Novo), com 3%.

Em 2014, quando quase chegou ao segundo turno e concorria contra Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), Marina recebeu 22 milhões de votos, 21% do total. Quatro anos antes, em sua primeira candidatura à Presidência, ela obteve 19% dos votos.

Por que esses milhões de votos em Marina sumiram?

Para aliados, alguns dos rótulos que o PT colou em Marina em 2014 —de que ela era fraca, não aguentava a barra de ser presidente porque havia chorado e se queixado de ataques— continuam custando votos à ex-ministra do Meio Ambiente.

“2014 foi um massacre e o eleitorado tem recall da dificuldade que a Marina passou. Ela foi destruída de forma violenta e ficou uma imagem da fragilidade”, diz o economista Eduardo Giannetti, que colabora com Marina desde sua primeira campanha, em 2010.

Frágil é algo que Marina definitivamente não é.

Ela nasceu no seringal Bagaço, no Acre. Eram 11 irmãos, mas três morreram ainda pequenos, de sarampo e malária. Passou a infância cortando seringa. Quando tinha 15 anos, perdeu a mãe.

A própria Marina sobreviveu a três hepatites, cinco malárias, uma leishmaniose e contaminação por mercúrio. Até hoje, sofre os efeitos —tem alergia a muitos alimentos, como queijo, ovo e shoyu, e não pode passar spray no cabelo. Também não pode usar batom, então passa beterraba nos lábios. Uma vez, sua glote fechou porque ela tomou uma sopa com queijo ralado.

Seu primeiro emprego, em Rio Branco, foi como empregada doméstica. Aprendeu a ler quando tinha 16 anos, pelo Mobral, programa de alfabetização de adultos criado pelo regime militar.

Pensou em ser freira e desistiu. Fez supletivo e conseguiu entrar na Faculdade de História na Universidade Federal do Acre. Na universidade, conheceu seu atual marido, o técnico agrícola Fábio Vaz de Lima, com quem teve dois filhos. Ela já tinha dois filhos do primeiro casamento.

A ex-senadora fundou a CUT no Acre ao lado do ambientalista Chico Mendes, de quem ficou amiga. Com ele, liderava os empates, barreiras humanas formadas para impedir o desmatamento.

Em 1988, ano em que Marina se elegeu como a vereadora mais votada de Rio Branco, pelo PT, Chico foi assassinado.

Foi deputada estadual e depois se elegeu, em 1994, a senadora mais jovem do Brasil, aos 36 anos. 

Em 1997, teve um problema neurológico grave por causa da contaminação por mercúrio, e trocou o catolicismo pela Assembleia de Deus. Credita a cura à sua fé evangélica. 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeou Marina para o Ministério do Meio Ambiente em 2002. Nos cinco anos que esteve à frente da pasta, conquistou vitórias, com grande redução do desmatamento. Mas também colecionou derrotas nos embates com a ala mais desenvolvimentista do governo, principalmente a então ministra Dilma Rousseff, que queria acelerar as licenças ambientais.

Desgostosa, saiu do PT e se filiou ao PV em 2009. Logo depois, concorreu à Presidência. Na eleição de 2014, sem conseguir oficializar o partido que criara, a Rede Sustentabilidade, entrou como vice na chapa de Eduardo Campos (PSB). Após ele morrer em um acidente de avião, ela assumiu a candidatura. A Rede foi registrada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2015.

Marina se tornou uma referência mundial em defesa do meio ambiente. Recebeu o maior prêmio da ONU na área ambiental, o Champions of the Earth (Defensores da Terra). O jornal inglês Guardian apontou Marina como uma das 50 pessoas que podem salvar o planeta.

“Neste ano, Marina começou sua campanha lá em cima, com seu prestígio e sua biografia, que são imbatíveis”, diz Marco Antonio Teixeira, professor de ciência política da FGV. “Mas a Rede não virou um partido estruturado, com ramificação nacional. Sem aliados de peso, mais uma vez Marina não se sustentou.”

Afirmando rejeitar se unir a outro partido por conveniência, a Rede se aliou apenas ao PV e ficou com 21 segundos de tempo de TV. O líder Bolsonaro tinha ainda menos tempo (9 segundos).

Também faltou apoio financeiro. Foi uma campanha de vacas magras, por causa da relutância dos doadores e da divisão dos fundos partidário e eleitoral, que privilegiaram os partidos maiores. No final, a campanha teve de dispensar prestadores de serviços e integrantes eram obrigados a dividir quarto.

Para completar, Marina, que é da Assembleia de Deus, perdeu boa parte de seu eleitorado evangélico para Bolsonaro, e parte de seus eleitores de esquerda se desencantaram por ela ter apoiado Aécio no segundo turno, em 2014, e o impeachment de Dilma, em 2016.

Marina acha que foi tratada de forma injusta pela imprensa. “Eu fiquei oito meses em segundo lugar, e as análises nem me consideravam. Mas, depois que caiu, aí todo mundo passou a analisar.”

Mas aliados próximos admitem que, nesta eleição, não havia espaço para uma candidata moderada como Marina.

“Eles dividiram o país e agora só os extremos se colocam na disputa; não existe proposta, é só PT e anti-PT. É o antagonismo permanente estimulado pelo PT”, diz Pedro Ivo Batista, porta-voz da Rede e membro da coordenação da campanha.

Os apoiadores ainda não jogaram a toalha —pelo menos, não em público. “Não costumamos botar muita fé nas pesquisas de intenções de voto, nem quando estávamos no segundo lugar por quase um ano”, afirma Lourenço Bustani, coordenador da campanha.

Otimista, diz acreditar que a ex-senadora irá para o segundo turno. Empresário neófito na política, Bustani se afastou de sua empresa (uma consultoria de inovação para marcas) e se alistou como voluntário para trabalhar na candidatura.

Marina costuma dizer que é “um milagre da vida, dos médicos e principalmente de Deus”.

Para analistas políticos, ela vai precisar de mais um milagre para sair inteira desta eleição.

“Das duas eleições anteriores, Marina saiu como uma opção sólida de terceira via. Nesta eleição, ela sai como nanica e deve repensar sua carreira política”, diz Leandro Consentino, cientista político do Insper.


Colaborou Joelmir Tavares

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