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Yacoff Sarkovas

O direito de não aceitar nenhum dos dois

Eleitor tem três opções no segundo turno: um candidato, o outro e nenhum

Yacoff Sarkovas, em evento em São Paulo em 2012 - Zanone Fraissat - 11.jul.12/Folhapress

A pior previsão se confirmou. Os candidatos com maior índice de rejeição e que representam os extremos de um país dividido e cheio de rancor estão no segundo turno. Os eleitores que preferiam o meio termo ficaram no meio do caminho.

Agora, são exatamente esses brasileiros que terão a inglória missão de definir quem (des)governará o país nos próximos anos. De um lado, um candidato tosco, pouco qualificado, defensor da ditadura militar e da tortura, misógino, sexista, racista, xenófobo e populista. De outro, o bom moço que se submeteu a ser preposto de um criminoso detido e a encenar e propagar as mentiras oficiais de seu partido, corrupto e incompetente, que produziu uma crise ética e econômica sem precedentes.

É fácil apontar razões para não votar em Bolsonaro. Difícil é encontrar motivos para optar por Haddad. Seu programa de governo reedita o modelo econômico nacional-desenvolvimentista de Geisel e Dilma, que empobreceu e retardou o Brasil; subestima a gravidade do déficit fiscal que impossibilita o investimento publico, gera risco de explosão inflacionária e inibe o investimento privado; não reconhece os graves crimes que seu partido cometeu ao montar o maior esquema de corrupção de um país cuja expertise na matéria se constrói desde os tempos coloniais.

O PT tenta nos convencer de que não votar em Haddad põe em risco nossa democracia. Mas não explica por que não aplica os mesmos preceitos à Venezuela e Cuba, entre outras ditaduras que apoia. Nem porque afronta nossas instituições, tachando de golpe um processo de cassação que seguiu todas as normas e ritos legais, para demover uma senhora destrambelhada que cometeu crimes fiscais em série, desestabilizando a economia, destruindo empregos e penalizando diretamente os mais pobres.

Ou porque busca rotular a Lava Jato como um complô contra seu partido e seu líder, e não como um processo histórico contra o patrimonialismo, clientelismo e a corrupção, pilares da ineficiência e ineficácia da máquina pública brasileira.

Os que não votaram em Bolsonaro devem se perguntar com humildade por que quase 50 milhões de brasileiros, representando quase 50% dos votos válidos do primeiro turno, escolheram alguém como ele.

Da minha parte, entendo que o PSDB, por seu currículo de omissões, e o PT, por seu prontuário de ações, são os grandes responsáveis. Os tucanos flexibilizaram seus ideais a cada eleição, diluindo sua identidade até não significar mais nada. Os petistas afrontaram a ética e a aritmética, corrompendo sua moral e corroendo nossa economia.

Se Haddad quer o voto das pessoas de bom senso alijadas das eleições, não basta atiçá-las com o horror que Bolsonaro representa. É preciso que exorcize o horror que o PT representou e pode ainda representar. Para isso, o partido deveria reconhecer publicamente seus descaminhos éticos, abdicar da sua visão econômica anacrônica, não nos ameaçar com mecanismos manipuláveis de “democracia direta” e, principalmente, passar a respeitar todos os brasileiros, deixando de dividi-los entre “nós contra eles”.

Essa estratégia é oportunista e perversa. Ela instrumentaliza nossa iniquidade social, desqualificando inúmeros segmentos que trabalham duro, pagam impostos e querem um país menos desigual, mas são tachados como “inimigos dos pobres” para compor uma narrativa de conquista e manutenção de poder.

Caso Haddad não abandone o desgastado script lulopetista —e acredito que dissimulará, mas não o fará— entendo que nós, que não somos responsáveis diretos por essas opções desafortunadas do segundo turno, temos o direito em não optar por nenhum dos dois candidatos e, simplesmente, votar em branco.

Por conta do meu círculo de relações, não recebo apelos para escolher Bolsonaro. Jamais o faria. Candidato menos dissimulado, entendo que ele é tão ruim quanto parece. Também não acredito na sua súbita e inconsistente adesão ao liberalismo econômico, único ponto que poderia dele me aproximar.

Por outro lado, sou bombardeado por defensores da civilização me afirmando que é Haddad ou a barbárie. Mas eles não abordam o custo, os riscos e as mentiras dessa opção. Leio essas mensagens como mais uma demonstração da notável capacidade do PT de instrumentalizar pessoas e movimentos positivos da nossa sociedade, como o #EleNão.

Ninguém precisa carregar peso na consciência por votar em candidatos dos quais discorda, pelo que são e/ou representam. Com todos os seus defeitos e fragilidades, a democracia e as instituições brasileiras aguentarão o tranco de mais quatro anos de inevitável descaminho. Nossa aprendizagem é, infelizmente, muito custosa. 

Quem não se sente representado por Bolsonaro ou Haddad pode se sentir livre para votar em branco como opção política.

No primeiro turno, votar em branco não era necessário, porque havia candidatos para todos os gostos, nem inteligente, pois diminuiria o número de votos válidos e aumentaria a chance do mais votado ultrapassar 50% e liquidar a fatura.

Nada disso ocorre no segundo turno, quando o eleitor deve ter a clareza de que tem três opções: um candidato, o outro candidato e nenhum candidato. Qualquer escolha é uma manifestação de cidadania, igualmente.

No atual contexto, penso que até faria bem ao Brasil que abstenções, nulos e brancos fossem substanciais, para comprovar o ocaso do projeto de poder do PT e sinalizar para Bolsonaro que sua ascensão é, como foi a de Collor, uma aberração circunstancial.

Yacoff Sarkovas

Empreendedor autodidata, ex-sócio e presidente da agência de relações públicas Edelman Brasil; presidente da Sarkovas Consultoria

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