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Daniel Falcão

Para que serve o 2º turno?

Escolha entre candidatos que lideraram rejeição desafia sistema eleitoral

Daniel Falcão

Uma das principais preocupações das regras eleitorais é conferir aos futuros eleitos a necessária legitimidade para o exercício do mandato ao qual serão escolhidos pelo poder popular. No caso das eleições presidenciais, encontramos ao redor do mundo diversos modelos ou sistemas de regras que determinam como será a escolha para ocupar o cargo de chefe do Poder Executivo.

No México e no Paraguai, por exemplo, o sistema adotado é o de maioria simples: basta um candidato ser o mais votado para ser eleito, sem a necessidade constitucional de ultrapassar um determinado porcentual de votos.

Na Argentina, de modo diverso, o candidato eleito será aquele que tiver mais de 45% dos votos ou aquele que tiver 40% dos votos, desde que a diferença para o segundo colocado seja maior que 10%. Se ninguém conseguir tais resultados, há um segundo turno entre os dois mais votados.

Eleitora acompanhada de criança vota no colégio Santo Américo, zona sul de São Paulo, no primeiro turno das eleições deste ano
Eleitora acompanhada de criança vota no colégio Santo Américo, zona sul de São Paulo, no primeiro turno das eleições deste ano - Bruno Santos - 7.out.2018/Folhapress

Já no Brasil, passamos por diversas experiências. No primeiro período democrático (1945-1964) previa-se que as eleições presidenciais ocorreriam a cada cinco anos e que bastava a maioria simples para um candidato ser eleito. Nas quatro eleições no período, destaca-se o pleito que consagrou Juscelino Kubitschek (1955), eleito com 36% dos votos, fato que gerou na época forte contestação do resultado, sob a alegação de que o presidente eleito detinha pouca representatividade.

A repercussão da crise política foi tamanha que o país, já traumatizado com o suicídio do então presidente Getúlio Vargas, pouco mais de um ano antes, sofreu uma espécie de "intervenção militar preventiva" com o objetivo de garantir a posse de Juscelino no início de 1956.

Após o regime militar —que contou com seis eleições presidenciais indiretas—, a Constituição de 1988, de caráter democrático, trouxe a novidade do segundo turno nas eleições presidenciais, nas governadorias estaduais e nos pleitos para prefeito em municípios que tenham mais de 200 mil eleitores.

Se na primeira eleição, nenhum dos candidatos obtiver mais da metade dos votos válidos (exclui-se da conta, portanto, os votos nulos e em branco, que são descartados), há uma nova eleição algumas semanas depois entre os dois concorrentes mais votados no primeiro turno.

Fala-se muito dos custos da realização do segundo turno. Além dos gastos de campanha e de organização do novo pleito, um estudo histórico mostra que a possibilidade de ocorrer uma reversão no resultado do primeiro turno na segunda votação é pequena. No Brasil, a maior parte das eleições em segundo turno mantém a vitória do mais votado no primeiro escrutínio.

Ademais, a lógica de dois turnos faz com que apareça na propaganda eleitoral o pedido de "voto útil": eleitores acabam convencidos a não votar em seus candidatos de preferência para escolher um adversário que tem o potencial de vencer outro pretendente que tenha muito voto, mas uma grande rejeição também.

Este mecanismo, porém, traz vantagens: a primeira é garantir uma legitimidade matemática diferenciada: o eleito necessariamente teve mais da metade dos votos dados em algum candidato, a chamada maioria absoluta.

Ninguém poderá dizer que a maior parte da população não quis a pessoa que ocupará o cargo. Em segundo lugar, é no segundo turno que novas alianças eleitorais são formadas e, consequentemente, acordos visando ao próximo governo também.

Por fim, esse mecanismo normalmente evita que candidatos muito radicais ou com altos índices de rejeição sejam os escolhidos. As eleições francesas de 2002 e 2017 mostram com clareza o funcionamento desse mecanismo constitucional contra o radical clã Le Pen.

O Brasil de 2018, portanto, surpreende a evolução histórica e lógica das regras eleitorais das eleições no mundo: nossa escolha será entre dois concorrentes —Bolsonaro e Haddad— que se notabilizam pelo alto índice de rejeição das pesquisas de intenção de voto e pela forte polarização no panorama político.

Trata-se, portanto, de um desafio para o sistema de dois turnos, que será testado ao limite nesse cenário de intensa polarização.

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