STF está sob ataque e sofre momento de descrédito, afirma Barroso

Em evento nos EUA, ministro diz que percepção da sociedade é que corte atua como obstáculo ao combate à corrupção

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Nova York

Em discurso forte durante palestra nos Estados Unidos, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso afirmou que a corte está sob ataque e vive um momento de descrédito porque, na percepção da sociedade, alguns de seus colegas atuam como obstáculo no combate à corrupção no Brasil.

Sem nominar nenhum dos outros dez magistrados que dividem com ele o plenário do STF, Barroso disse nesta quinta-feira (25) que há um sentimento em grande parte da sociedade de que o Supremo protege a elite corrupta do país e que, por isso, tem perdido confiança e credibilidade.

O ministro Luis Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal)
O ministro Luis Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal) - Pedro Ladeira - 28.nov.2018/Folhapress

"A pergunta que me faço frequentemente é por que o STF está sob ataque, por que está sofrendo esse momento de descrédito. Bem, o que acho que está acontecendo é que há uma percepção em grande parte da sociedade e da imprensa brasileira de que o STF é um obstáculo na luta contra a corrupção no Brasil", disse o ministro durante palestra na Universidade de Columbia, em Nova York. 

"Eles sentem que o Supremo frequentemente protege a elite corrupta", completou.

A declaração do ministro ocorre em meio à escalada de tensão entre os Poderes no Brasil e no momento em que a decisão de investigar ou reagir aos críticos, por exemplo, dividiu o tribunal. 

Na semana passada, o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro Alexandre de Moraes protagonizaram episódios em relação ao inquérito que investiga a divulgação de fake news contra integrantes da corte. Moares chegou a determinar a retirada do ar de uma reportagem contra Toffoli —depois recuou.

Para Barroso, quando o Supremo toma decisões com as quais a sociedade não concorda ou não entende, "a força é a única coisa que resta".

"Uma corte que repetidas vezes toma decisões com as quais a sociedade não concorda e não entende, aí se tem um problema. Porque autoridade depende de confiança e credibilidade. Se você perde isso, a força é a única coisa que resta", afirmou o ministro.

Diante de uma plateia em que estava o juiz federal Marcelo Bretas, que comanda a Operação Lava Jato no Rio, Barroso listou o que diz serem os motivos objetivos que levaram o STF ao atual cenário, como diversos habeas corpus concedidos pela 2ª Turma do STF a presos por corrupção, a decisão da corte de passar para a Justiça Eleitoral o julgamento de crimes ligados a caixa dois —que não tem "estrutura nem expertise para isso"—, e a condenação da prática de conduções coercitivas, por exemplo, em suas palavras, usadas desde 1940.

Para Barroso, alguns ministros "mostram mais raiva de procuradores e juízes que estão fazendo um bom trabalho do que de criminosos que saquearam o país".

"Tudo o que o STF pode retirar da Vara Federal de Curitiba, onde o combate à corrupção está funcionando bem, ele [Supremo] o fez", afirmou.

O ministro Gilmar Mendes, com quem Barroso já teve diversos embates públicos, concedeu habeas corpus a diversos presos no Rio, como ao empresário Jacob Barata Filho, investigado pelo envolvimento em um esquema de corrupção que atuou no setor de transportes do Rio e teria movimentado R$ 260 milhões em propina.

No início de sua fala, logo após o discurso de Barroso, o juiz Marcelo Bretas fez referência às ponderações do ministro e disse que era "irrelevante a opinião que um ministro —e não estou falando do Barroso— tenha sobre a minha pessoa". Os confrontos entre Bretas e Gilmar Mendes também são notórios.

"Não podemos nos acovardar, não podemos temer nenhum tipo de reação. Barroso falou que o trabalho de combate à corrupção tem sido muito atacado ultimamente, por parte de autoridades que estão acima da minha autoridade, mas para mim é irrelevante a opinião que um ministro tenha sobre a minha pessoa, isso é irrelevante para o nosso trabalho", disse o responsável pela Lava Jato no Rio.

Barroso falou ainda que a democracia brasileira vive hoje "um momento sombrio", mas que é preciso apostar na política para mudar os paradigmas.

De acordo com o ministro, que listou o que classifica como conquistas da sociedade brasileira dos últimos 30 anos, "o filme de democracia no Brasil é muito bom, mas a foto neste momento é um pouco sombria".

Ele afirmou que há estabilidade institucional e econômica no país, além de avanços na inclusão social e diminuição da pobreza extrema, mas na sua opinião o país só vai passar para o patamar do mundo desenvolvido quando acabarem os escândalos éticos.

"Não é um momento trágico, é um momento difícil mas é um momento de recomeço pelo qual o país precisa passar", declarou.

Barroso defende projeto de Moro

O ministro do STF também saiu em defesa do pacote anticrime que o ministro da Justiça, Sergio Moro, apresentou ao Congresso brasileiro no início deste ano.

Barroso falou em favor da medida que pode ampliar o chamado "plea bargain", prática usada nos EUA em que o acusado escolhe fazer um acordo com a Justiça ao invés de responder a um processo. 

O ministro pediu a palavra no momento em que a medida estava sendo criticada durante debate na Universidade de Columbia, em Nova York.

"Se ele (acusado) acha que aceitar o acordo é melhor, é porque ele acha que as evidências mostram que há chance de ele ser condenado", afirmou o ministro ao advogado Thiago Bottino, que criticava o projeto.

Segundo Bottino, esses acordos podem estimular que inocentes admitam culpa e mostram que o sistema criminal não funciona bem.

"E no Brasil, funciona bem?", rebateu Barroso.

O ministro do STF havia discursado no evento que debateu formas de combate à corrupção no Brasil antes do painel do qual o advogado participava. Ele permaneceu na plateia até o final do evento, quando deu um abraço em Bottino.

A prática usada nos EUA é alvo de críticas de especialistas, que afirmam que ela contribui para o aumento da população carcerária no país.

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