Uma decisão judicial travou nesta quinta-feira (16) a contagem de votos que definiria o novo presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), num pleito marcado por um boicote de última hora e por acusações de golpismo e de alinhamento com o governo Jair Bolsonaro.
O desembargador Marcelo Lima Buhatem, do Tribunal de Justiça do Rio, concordou com o atual presidente da ABI, Domingos Meirelles, que tentava a reeleição. Ele havia retirado na véspera sua candidatura, afirmando que não havia lisura nas duas assembleias que definiram as datas do pleito.
Segundo a decisão, os autores da ação (a ABI e Domingos) dizem que "houve balbúrdia" na primeira reunião, em abril, com "associados inaptos e estranhos à associação" no recinto e votando.
Eles afirmam que a segunda assembleia foi marcada por Paulo Jerônimo de Souza, adversário na disputa, "na calada da noite", estabelecendo a eleição em um "prazo exíguo para uma categoria de âmbito nacional se mobilizar".
O mais cotado para substituir o jornalista Domingos Meirelles, 79, era justamente Paulo Jerônimo, 81, conhecido como Pagê —e vice do atual presidente.
É mais um capítulo do quiproquó que virou o pleito que definirá a nova diretoria da histórica entidade de jornalistas no país. Há quase 500 membros aptos a votar, e é preciso estar em dia com a mensalidade de R$ 40 para tanto.
Na disputa conturbada, Pagê encabeçou a chapa contra o ex-aliado, a quem acusou de tentar inviabilizar o processo eleitoral com medidas judiciais para se manter no poder.
A princípio, o pleito aconteceria no dia 26 de abril. Um juiz de primeira instância, contudo, suspendeu-o, após medida cautelar solicitada por causa da eleição de 2016.
Uma candidatura não foi homologada à época, e seus integrantes recorreram à Justiça. Naquele ano, Domingos se reelegeu para um segundo mandato à frente da ABI.
Tentava o terceiro, mas acabou saindo do páreo, ao menos por enquanto (a ideia, se o resultado saísse nesta quinta, era questioná-lo nos tribunais).
Domingos diz que os opositores convocaram uma assembleia a toque de caixa para segunda (13), na qual determinaram um pleito para dali a três dias, desrespeitando o regulamento eleitoral da ABI. Àquela altura, a segunda instância já havia liberado a eleição.
Diante desse "expediente espúrio", segundo as palavras do jornalista, sua chapa decidiu boicotar a corrida.
"Um mau perdedor, uma pena", afirma Pagê. "Podia ter disputado e perdido dignamente."
Na campanha, a chapa opositora prometeu fazer da ABI uma "trincheira em defesa do Estado Democrático de Direito e da liberdade de imprensa".
À reportagem o candidato diz que Domingos vinha incomodando associados com "as notas que ele soltava".
A principal delas foi, segundo Pagê, "uma nota calhorda botando a culpa nos funcionários do Planalto" pelo trato dado a jornalistas credenciados para a cerimônia de posse de Bolsonaro —muitos profissionais reclamaram das longas horas em perímetros limitados, sem cadeira, comida e banheiro suficientes.
Em janeiro, Domingos assinou um texto para expressar "profunda preocupação com o excesso de restrições impostas aos jornalistas", como se "estivessem em cárcere privado". Disse esperar que os exageros fossem "creditados à inexperiência da nova criadagem do Planalto e dos serviçais que assumiram a segurança periférica do presidente".
Pagê ressalta que o presidente da ABI é funcionário da Record, emissora do bispo Edir Macedo, que apoiou Bolsonaro na corrida presidencial e é tida como aliada natural de seu governo.
"Esse argumento de alinhamento com o Bolsonaro é discurso de campanha", rebate Domingos. "Ele era o meu vice. Todas as notas oficiais que escrevi eram enviadas para ele se inteirar e aprovar." Ele afirma que, quando trabalhava na Globo, "diziam a mesma coisa, que eu era simpático ao [Fernando] Collor".
Para Domingos, o rival "tem um currículo inexpressivo como jornalista, servindo em assessorias de órgãos públicos" por um bom tempo (como o BNDES). A biografia de Pagê no site da ABI o descreve como "típico jornalista de redação", com passagens, na juventude, por periódicos dos Diários Associados e pelo O Globo.
Com 111 anos e uma presidência pela qual passaram referências como Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), a ABI elegeria 51 diretores nesta quinta. Fora a candidatura abortada de Domingos, havia duas outras: Carlos Augusto Martins de Aguiar e Pagê. Este último, o candidato mais forte, tem como vice Cid Benjamin, jornalista e ex-militante contra a ditadura militar. Se eleito, diz, propõe-se a "resgatar o protagonismo da ABI" e reativar parcerias com órgãos da sociedade civil. "Vamos acompanhar a involução desse nosso governo que está aí."
O octogenário também defende "colocar uma garotada" na entidade. Nove em cada dez eleitores se concentram no Rio, sede da ABI. Mais de 60% têm 59 anos ou mais.
Pagê também promete ampliar o espaço para mulheres, que ganhariam uma diretoria própria em sua gestão. Hoje elas são 13 (25%) na nova diretoria.
Domingos comemorou o adiamento da apuração das urnas, que receberam 256 votos, sendo 174 votos presenciais e 82 vindos pelo site de diversos estados.
"A decisão do desembargador Marcelo Lima [da 22ª Câmara Cível] apenas confirmou o que há muito denunciávamos: o sistemático desrespeito ao regramento interno da entidade pela chapa de oposição."
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