Justiça suspende eleição na ABI após acusação de 'balbúrdia'

Pleito foi marcado por boicote e acusações de golpismo e de alinhamento com o governo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

Uma decisão judicial travou nesta quinta-feira (16) a contagem de votos que definiria o novo presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), num pleito marcado por um boicote de última hora e por acusações de golpismo e de alinhamento com o governo Jair Bolsonaro.

O desembargador Marcelo Lima Buhatem, do Tribunal de Justiça do Rio, concordou com o atual presidente da ABI, Domingos Meirelles, que tentava a reeleição. Ele havia retirado na véspera sua candidatura, afirmando que não havia lisura nas duas assembleias que definiram as datas do pleito.

Fachada do prédio da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), no centro do Rio de Janeiro
Fachada do prédio da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), no centro do Rio de Janeiro - Rafael Andrade - 4.abr.2008/Folhapress

Segundo a decisão, os autores da ação (a ABI e Domingos) dizem que "houve balbúrdia" na primeira reunião, em abril, com "associados inaptos e estranhos à associação" no recinto e votando. 

Eles afirmam que a segunda assembleia foi marcada por Paulo Jerônimo de Souza, adversário na disputa, "na calada da noite", estabelecendo a eleição em um "prazo exíguo para uma categoria de âmbito nacional se mobilizar". 

O mais cotado para substituir o jornalista Domingos Meirelles, 79, era justamente Paulo Jerônimo, 81, conhecido como Pagê —e vice do atual presidente. 

É mais um capítulo do quiproquó que virou o pleito que definirá a nova diretoria da histórica entidade de jornalistas no país. Há quase 500 membros aptos a votar, e é preciso estar em dia com a mensalidade de R$ 40 para tanto.

Na disputa conturbada, Pagê encabeçou a chapa contra o ex-aliado, a quem acusou de tentar inviabilizar o processo eleitoral com medidas judiciais para se manter no poder.

A princípio, o pleito aconteceria no dia 26 de abril. Um juiz de primeira instância, contudo, suspendeu-o, após medida cautelar solicitada por causa da eleição de 2016.

Uma candidatura não foi homologada à época, e seus integrantes recorreram à Justiça. Naquele ano, Domingos se reelegeu para um segundo mandato à frente da ABI.

Tentava o terceiro, mas acabou saindo do páreo, ao menos por enquanto (a ideia, se o resultado saísse nesta quinta, era questioná-lo nos tribunais).

Domingos diz que os opositores convocaram uma assembleia a toque de caixa para segunda (13), na qual determinaram um pleito para dali a três dias, desrespeitando o regulamento eleitoral da ABI. Àquela altura, a segunda instância já havia liberado a eleição.

Diante desse "expediente espúrio", segundo as palavras do jornalista, sua chapa decidiu boicotar a corrida.

"Um mau perdedor, uma pena", afirma Pagê. "Podia ter disputado e perdido dignamente."

Paulo Jeronimo de Sousa, o Pagê, candidato à presidência da ABI (Associação Brasileira de Imprensa)
Paulo Jerônimo de Sousa, o Pagê, candidato à presidência da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) - Divulgação/Portal Imprensa

Na campanha, a chapa opositora prometeu fazer da ABI uma "trincheira em defesa do Estado Democrático de Direito e da liberdade de imprensa".

À reportagem o candidato diz que Domingos vinha incomodando associados com "as notas que ele soltava".

A principal delas foi, segundo Pagê, "uma nota calhorda botando a culpa nos funcionários do Planalto" pelo trato dado a jornalistas credenciados para a cerimônia de posse de Bolsonaro —muitos profissionais reclamaram das longas horas em perímetros limitados, sem cadeira, comida e banheiro suficientes.  

Em janeiro, Domingos assinou um texto para expressar "profunda preocupação com o excesso de restrições impostas aos jornalistas", como se "estivessem em cárcere privado". Disse esperar que os exageros fossem "creditados à inexperiência da nova criadagem do Planalto e dos serviçais que assumiram a segurança periférica do presidente".

Pagê ressalta que o presidente da ABI é funcionário da Record, emissora do bispo Edir Macedo, que apoiou Bolsonaro na corrida presidencial e é tida como aliada natural de seu governo.

"Esse argumento de alinhamento com o Bolsonaro é discurso de campanha", rebate Domingos. "Ele era o meu vice. Todas as notas oficiais que escrevi eram enviadas para ele se inteirar e aprovar." Ele afirma que, quando trabalhava na Globo, "diziam a mesma coisa, que eu era simpático ao [Fernando] Collor".

Para Domingos, o rival "tem um currículo inexpressivo como jornalista, servindo em assessorias de órgãos públicos" por um bom tempo (como o BNDES). A biografia de Pagê no site da ABI o descreve como "típico jornalista de redação", com passagens, na juventude, por periódicos dos Diários Associados e pelo O Globo.

Com 111 anos e uma presidência pela qual passaram referências como Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), a ABI elegeria 51 diretores nesta quinta. Fora a candidatura abortada de Domingos, havia duas outras: Carlos Augusto Martins de Aguiar e Pagê. Este último, o candidato mais forte, tem como vice Cid Benjamin, jornalista e ex-militante contra a ditadura militar. Se eleito, diz, propõe-se a "resgatar o protagonismo da ABI" e reativar parcerias com órgãos da sociedade civil. "Vamos acompanhar a involução desse nosso governo que está aí."

O octogenário também defende "colocar uma garotada" na entidade. Nove em cada dez eleitores se concentram no Rio, sede da ABI. Mais de 60% têm 59 anos ou mais. 

Pagê também promete ampliar o espaço para mulheres, que ganhariam uma diretoria própria em sua gestão. Hoje elas são 13 (25%) na nova diretoria.

Domingos comemorou o adiamento da apuração das urnas, que receberam 256 votos, sendo 174 votos presenciais e 82 vindos pelo site de diversos estados.

"A decisão do desembargador Marcelo Lima [da 22ª Câmara Cível] apenas confirmou o que há muito denunciávamos: o sistemático desrespeito ao regramento interno da entidade pela chapa de oposição."

 
Erramos: o texto foi alterado

Em versão inicial, o subtítulo deste texto afirmou incorretamente que Paulo Jerônimo de Sousa havia sido eleito presidente da ABI. A eleição foi suspensa pela Justiça.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.