Liberdade de expressão não é absoluta, diz chefe de grupo que avaliará juízes nas redes

Segundo o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, objetivo do trabalho é preservar credibilidade do Judiciário

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Brasília

Coordenador do grupo de trabalho criado no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para “avaliar parâmetros para o uso adequado das redes sociais pelos magistrados”, o ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) Aloysio Corrêa da Veiga diz que nenhum direito é absoluto, nem a liberdade de expressão.

Segundo Veiga, a questão do comportamento nas redes preocupa juízes no mundo inteiro, e o objetivo do grupo instituído pelo presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, é preservar a credibilidade do Judiciário a partir da imagem de imparcialidade.

O ministro do TST e conselheiro do CNJ Aloysio Corrêa da Veiga durante entrevista à Folha em seu gabinete
O ministro do TST e conselheiro do CNJ Aloysio Corrêa da Veiga durante entrevista à Folha em seu gabinete - Gil Ferreira/Agência CNJ

“Quando eu celebro o ingresso na carreira, eu o faço firmando um voto, como um sacerdote. Não cabe a ele [sacerdote] chegar e, por uma liberdade de expressão, revelar segredos de confissão. Então, essa questão não equivale a nenhuma mordaça”, diz, repetindo a expressão usada por um grupo de magistrados para atacar a iniciativa.

O grupo de trabalho tem 30 dias, que se encerram na próxima semana, para apresentar ao CNJ suas conclusões, que podem resultar numa espécie de manual de condutas para juízes.

O que levou o CNJ a criar esse grupo? Qual o contexto?  Foi o desenrolar da novidade tecnológica e esse desconhecimento que tem toda a sociedade sobre os efeitos das redes sociais. É preciso que façamos um estudo mais profundo sobre os efeitos da participação nas redes. É preciso que a sociedade sinta confiança no Judiciário, e para isso é necessário que a postura de todo o sistema de Justiça consagre os valores de independência, imparcialidade. Todos nós, quando ingressamos no Judiciário, voluntariamente, fazemos um voto de cumprir a Constituição e as leis.

Isso vinha sendo descumprido? Porque, para ensejar uma medida desse tipo, é porque algo está fugindo da normalidade.  Nem sempre. O que é preciso é nós nos anteciparmos a uma postura. É verdade, tivemos muitos procedimentos administrativos disciplinares com fundamento nas redes sociais, isso é de conhecimento público. Mas a verdade é que é uma preocupação não do Judiciário brasileiro, mas mundial.

O CNJ já tem o provimento nº 71/2018 que fala que magistrados não devem se envolver em manifestações políticas publicamente. Como o grupo de trabalho vai avançar?  O provimento repete a lei. A Lei Orgânica da Magistratura [Loman] impõe uma conduta ao juiz. Esse conteúdo de reserva terá que ser aplicado também em toda a relação da vida privada do juiz, inclusive nas redes sociais. É porque ele representa um Poder do Estado, que é o Poder que dá a Justiça.

O sr. pode dar um exemplo de situação em que um magistrado não deva se manifestar?  Dar exemplo de má conduta? Está no próprio ser, na nossa vida cotidiana. O homem não pode ser um ser capaz de praticar atos de má conduta, as virtudes devem ser preservadas. E quais são as virtudes do juiz? Independência, imparcialidade, idoneidade, cortesia, urbanidade, prudência. Virtudes que ele voluntariamente se comprometeu a assumir quando recebeu a investidura do cargo.

Não se trata de nenhuma pretensão de restringir liberdades, porque esse é um princípio fundamental que deve ser observado, notadamente a liberdade de expressão. Agora, a liberdade de expressão tem que ser exercida com responsabilidade.

Ao final dos 30 dias, o que vai ser apresentado? Uma espécie de manual de conduta?  Estamos numa fase de estudos, de aprofundamento daquilo que obtivemos da comunidade jurídica no seminário que realizamos na sede do TST [em abril]. Poderá vir a ser criado uma espécie de manual, para dizer num sentido mais prático, porque isso é praxe em diversos países, França, Espanha, Portugal, Austrália, que já criaram conteúdo para magistrados e promotores.

Até as empresas de telecomunicações, os jornais [têm regras] com relação a evitar comentários político-partidários. Imagina um jornalista que vai cobrir um determinado segmento político, quando ele se manifesta nas redes contrariamente àquele segmento. Qual a credibilidade que terá aquele órgão que ele está representando?

O juiz não deixa de ser juiz fora da corte. A sociedade o vê como juiz, embora ele não esteja com os paramentos. Ele não pode confundir essa estada no ecrã, na tela, como sendo uma atividade privada, porque nada é privado, nem WhatsApp.

Algumas pessoas do meio jurídico viram na iniciativa uma forma de reembalar aquela Lei da Mordaça, que foi discutida em 2000 e, na época, tinha o apoio do advogado-geral da União, o hoje ministro do STF Gilmar Mendes. Juízes, procuradores e promotores não poderiam comentar processos, investigações. Aquela lei tem relação com o que se busca agora?  Nenhum direito é absoluto, a própria Constituição estabelece limite à liberdade de expressão quando ela diz que é vedado o anonimato. Muitas vezes, a limitação não se trata de censura, se trata exatamente daqueles votos que eu falei. Quando eu celebro o ingresso na carreira, eu o faço firmando um voto, como um sacerdote. Não cabe a ele chegar e, por uma liberdade de expressão, revelar segredos de confissão. Então, essa questão não equivale a mordaça.

A preservação maior da sociedade é isso, estabelecer os princípios e respeitá-los. Não cabe ao juiz comentar decisões, nem suas, muito menos de seus colegas, porque há um princípio maior de credibilidade do Poder Judiciário.

E criticar decisões de instâncias superiores?  De igual forma. A Loman abre duas exceções apenas: no exercício do magistério e no livro jurídico. Mas isso já é norma legal existente, que não contraria o princípio constitucional da liberdade de expressão, porque o bem maior aí é exatamente a credibilidade da instituição.

O provimento 71 do CNJ trata de vedar manifestações políticas. Pelo que estou entendendo, agora a discussão se encaminha para [proibir] críticas a processos que estejam sob os cuidados de outros magistrados.  Mas isso é a Loman que estabelece, não é novidade. Isso é uma questão não de conduta, [mas] de conduta legal mesmo, porque senão ficaria uma coisa que um juiz decide algo e um outro juiz chega ‘não, não’... A crítica quem fará é a provocação das partes em grau de recurso.

Está previsto algum monitoramento das redes?  Não se trata de monitoramento muito menos de Big Brother, de ficar o conselho investigando a vida. O que estamos querendo é aperfeiçoar a estrutura do Judiciário. A própria imprensa provoca a atuação do CNJ. É comum a imprensa chegar no CNJ e dizer: "Olha, fulano de tal postou isto no Facebook. O que o CNJ vai fazer?". Nós temos tido esse tipo de demanda. É preciso que não tenhamos isso como regra.

Quando o sr. diz que não é apropriado que se critiquem decisões de colegas, o leitor vai lembrar de críticas como as do juiz [do Rio] Marcelo Bretas ao ministro Gilmar Mendes. A criação do grupo é uma resposta às críticas ao Supremo?  [risos] Tudo leva a pensar o todo. Não tem nada que ver uma coisa com a outra. O que nós estamos procurando estabelecer é um método ideal de como eu devo me portar nas redes sociais, e não individualmente estabelecer critérios.

Um juiz eleitoral de uma cidade do interior, que se manifesta politicamente dentro de um viés, e no dia seguinte chega à sua mesa uma impugnação de candidatura do partido político opositor às suas ideias. Como se sentirá o requerente na indagação da isenção do juiz para julgar aquilo, já que ele se manifesta com esse outro viés? A questão não é só ser imparcial. É demonstrar, aparentar imparcialidade.

É como a história da mulher de César.  [risos] Mais ou menos. Mas é exatamente isso, é preciso demonstrar e mostrar que existe esse feixe de virtudes para dar credibilidade ao Poder Judiciário, manter o respeito à instituição.

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