Para congressistas, crise com Moro pode afetar calendário de pacote anticrime

Relatório será apresentado a grupo na Câmara na quinta; Maia decidirá se leva proposta a comissão ou plenário

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Brasília

A crise desencadeada com a divulgação de mensagens atribuídas ao ex-juiz Sergio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol, do Ministério Público Federal, deve atrasar a tramitação do pacote anticrime apresentado pelo agora ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PSL).

O relator do pacote na Câmara, deputado Capitão Augusto (PL-SP), apresenta seu parecer ao grupo de trabalho criado para discutir o assunto nesta quinta-feira (13). Caberá ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), definir se criará uma comissão especial ou se levará o texto já para o plenário.

Mas Augusto diz acreditar em atraso no calendário por causa de pressão da oposição. "Esperávamos votar neste semestre, e o que pode acontecer é postergar para o semestre seguinte", disse o relator à Folha.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, visita, nesta segunda-feira (10), o Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, palco de massacre em maio e em 2017
O ministro da Justiça, Sergio Moro, visita, nesta segunda-feira (10), o Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, palco de massacre em maio e em 2017 - Assessoria de imprensa/Governo do Amazonas/Divulgação

Líderes partidários avaliam reservadamente que pode haver reflexos na tramitação do pacote anticrime por entenderem que parte das propostas apresentadas por Moro representam uma tentativa de criar uma legislação para amparar a atuação do ex-juiz na Lava Jato.

"O pacote tem muito mais coisa que isso aí. Que possam estar questionando, usando este episódio para não aprovar alguma parte do pacote, talvez não chegue a 10% do que está sendo proposto. São coisas muito pontuais que eles podem estar questionando", disse Capitão Augusto.

O pacote tramita originalmente na Câmara, mas, no Senado, foram apresentados projetos na mesma linha para tentar acelerar o processo.

Nas duas Casas, o pacote está dividido em três eixos: criminalização do uso de caixa dois em eleições; medidas contra corrupção, crime organizado e crimes praticados com grave violência; e estabelecimento de regras de competência da Justiça Comum e da Justiça Eleitoral.

No Senado, estas medidas estão na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), com três relatores diferentes, mas os pareceres ainda não foram apresentados.

A proponente do pacote na Casa, senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), também diz acreditar que a nova crise deve atrasar os trabalhos no Senado. Ela vai tentar agilizar conversas na Casa.

"O Congresso é muito sensível a qualquer fato político novo. O pacote anticrime, que sofria resistências localizadas e partidárias, vai exigir agora mais debates e negociações para ser aprovado", disse Eliziane.

 A Folha não conseguiu contato com a presidente da comissão, senadora Simone Tebet (MDB-MS).

O conteúdo divulgado pelo site The Intercept Brasil mostra que Sergio Moro e Deltan Dallagnol trocavam colaborações quando integravam a força-tarefa da Operação Lava Jato. Moro, que hoje é ministro da Justiça do governo Bolsonaro, foi o juiz responsável pela operação em Curitiba. Ele deixou a função ao aceitar o convite do presidente, em novembro de 2018, após a eleição.

​O site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram, de 2015 a 2018.

Para o relator do pacote na Câmara, as mensagens divulgadas representam "um vazamento criminoso", mas que, segundo ele, não apresentam "nada que seja ilegal, que comprometa as investigações".

"São apenas conversas, troca de informações, de mensagens que não está induzindo ninguém a praticar qualquer tipo de ato. São trocas de informações, algo bastante natural entre o pessoal que está envolvido em qualquer questão que seja em comum", afirmou Capitão Augusto.

Mas nem todos os parlamentares entenderam da mesma maneira a divulgação do conteúdo.

A notícia da revelação das conversas surpreendeu os líderes de nove partidos que estavam reunidos com Rodrigo Maia na residência oficial da presidência da Câmara, neste domingo (9), para discutir a reforma da Previdência.

Segundo alguns destes líderes, o assunto será largamente explorado no Congresso durante a semana e torna-se a mais nova crise do governo de Jair Bolsonaro.

Os líderes ouvidos sob reserva pela Folha consideraram o fato muito grave, mas adotaram tom de cautela para comentar entre eles as notícias. Disseram preferir aguardar o desdobramento da divulgação.

Não se falou na reunião em convocação do ministro da Justiça para prestar esclarecimentos no Congresso.

Maia e líderes disseram acreditar, a princípio, que o caso não atrapalhará o calendário da reforma da Previdência, a não ser que se agrave na mesma proporção do caso Queiroz, protagonizado por Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), quando o filho do presidente da República era deputado estadual no Rio de Janeiro.

"Sempre trabalhamos para que não haja qualquer fato que contamine a reforma. A reforma é uma pauta nacional, e isso [a divulgação das conversas] é um problema da Presidência da República. Vamos ver isso aí como transcorre, do ponto de vista de outros assuntos, além da reforma. Nós sempre procuramos blindar a reforma e caminhamos com essa pauta", disse o relator da reforma da Previdência na Câmara, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).

Nesta segunda, parlamentares foram às redes sociais para cobrar a retomada da tramitação das propostas que punem o abuso de autoridade.

"Conspiração de juízes e procuradores da Lava-Jato em nome de projeto de poder, com danos irreversíveis à democracia, economia e reputações. Não foi por falta de aviso. Já havíamos alertado e entramos no CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] porque os sinais eram claros", escreveu o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Em sua mensagem, Renan cita Moro, Dallagnol e outros procuradores e juízes e encerra escrevendo "precisamos investigá-los e aprovar a lei de abuso de autoridade".

"É a operação lava-jato provando seu próprio veneno. Intercept nos lembrando que garantias individuais cravadas em nossa constituição devem ser respeitadas, e que a lei de abuso de autoridade precisa ser votada já", publicou o deputado Ricardo Barros (PP-PR).

"Agora, mais do que nunca, deve-se votar a lei de abuso de autoridade", afirmou o senador Angelo Coronel  (PSD-BA).

Apesar de, como a maioria dos parlamentares, adotar o discurso de cautela para aguardar novidades, o líder da Maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse que reações do Legislativo são inevitáveis. "O Congresso é movido à dinâmica da própria sociedade. Se há fato relevante, o Congresso vai avaliar isso", afirmou.

Bancada da bala

A Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida como "bancada da bala", publicou nesta segunda-feira (10) um manifesto em apoio ao ministro Sergio Moro (Justiça) e à força-tarefa da Lava Jato, depois de vazamentos de conversas atribuídas ao ex-juiz e a procuradores.

"A divulgação de trechos atribuídos às autoridades públicas em vez de causar espécie diante da utilização de meios escusos, criminosos e violentamente contra a nossa Constituição para a sua obtenção, pasmem, ganhou destaque na mídia sob a insinuação de que os trechos livremente manipulados pelo duvidoso site dariam conta de pôr em cheque a credibilidade da operação e dos agentes públicos envolvidos", diz o texto. 

O manifesto, assinado pelo presidente da frente e relator do pacote anticrime apresentado pelo ministro, Capitão Augusto (PL-SP), afirma que Moro e Dallagnol são as "verdadeiras vítimas" e pede que seja feita justiça.

"Confiando que será feita justiça e que os criminosos envolvidos serão devidamente identificados, reforçamos o apoio e a solidariedade desta frente parlamentar às verdadeiras vítimas dessa situação: os procuradores da Lava-Jato e o ministro Sergio Moro."

O texto diz ainda que não se pode deixar que a Lava Jato seja enfraquecida. 

"A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o mundo já teve. O volume de recursos desviados, conforme apurado, está na casa de bilhões de reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção", afirma.

"Não podemos deixar que essa importantíssima operação, as instituições e seus membros, sejam enfraquecidos ou desmoralizados."

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