Descrição de chapéu Eleições 2020

Não é um debate antipartido, diz ministro Barroso sobre aval a candidaturas avulsas

Magistrado convocou audiência pública no STF para discutir se pessoa sem filiação pode concorrer

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O Brasil deveria modificar a legislação para permitir que pessoas sem filiação partidária se candidatem a cargos eletivos? O assunto será debatido no STF (Supremo Tribunal Federal) nesta segunda-feira (9), em audiência pública convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso.

Foram convidados representantes do Congresso e da Justiça Eleitoral, além de cientistas políticos, líderes partidários e membros de movimentos. Também foram abertas inscrições para outros interessados.

Barroso é o relator de uma ação que tramita na corte desde 2017 e reivindica a liberação das chamadas candidaturas avulsas (ou independentes).

À Folha o ministro rebate a tese de que a discussão contribui para enfraquecer os partidos e diz que formará opinião sobre o tema só depois da audiência, com a participação de apoiadores e detratores da ideia.

No âmbito do processo, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou parecer ao STF declarando posição favorável ao formato, que hoje é proibido pela Justiça Eleitoral.

O sr. diz que não antecipará seu voto, mas, de maneira geral, como vê esse debate? Por que é importante fazê-lo? A candidatura avulsa é admitida em boa parte das democracias mundo afora. Acho que os partidos políticos são muito importantes em uma democracia e, portanto, é preciso ter em conta não fragilizá-los.

O segundo ponto é saber se a existência de candidatura avulsa criaria um tipo de concorrência que estimularia o aprimoramento dos partidos. Essa é a equação que a audiência pública pretende resolver. Saber se é bom ou não para a democracia brasileira.

Quando você se dispõe a um debate, tem que estar preparado para ouvir os dois lados e formar a sua opinião depois. Eu, neste momento, eliminei as minhas opiniões prévias e vou ouvir os atores que considero relevantes. Aí vou propor ao tribunal uma solução.

O sr. percebe ambiente para esse debate no sistema político? Líderes partidários criticam as candidaturas avulsas. Foram todos convidados e, portanto, a opinião deles será levada em conta pelo tribunal. É o que eu posso dizer por enquanto.

Há projetos de lei com esse propósito no Congresso que tramitam vagarosamente, o que demonstra que os partidos rechaçam o modelo. A vida democrática tem uma dinâmica em que por vezes algumas matérias tramitam melhor, mais celeremente, no Legislativo, e às vezes elas envolvem um debate público judicial.

Há uma questão prévia, que é uma discussão importante, de saber se essa é uma escolha política que cabe ao Congresso ou se é uma matéria de interpretação constitucional, que pode ter ou deve ter a atuação do Supremo. Tudo está aberto a debate, inclusive esse ponto.

Acho que o Supremo pode decidir eventualmente que essa é uma questão que envolve escolhas políticas a critério do Congresso, e não interpretação constitucional. Esse não é um debate que começa com uma solução pronta.

Muitos apoiadores da proposta torcem para que a mudança seja aprovada e passe a valer já em 2020. O sr. vê possibilidade? Acho difícil. E, nessa matéria, a pressa seria inimiga da perfeição. Acho que em 2020 isso seria decidido pelo tribunal e aí dependeria possivelmente de algum tipo de regulamentação, seja legislativa, seja por resolução, do TSE [Tribunal Superior Eleitoral].

Veja: em uma democracia, nenhum tema é tabu. Portanto tudo pode ser discutido à luz do dia.

Você [repórter] me disse que as lideranças partidárias têm uma posição contrária. Não sei, mas gostaria de saber quais são os argumentos. É importante para o debate público. Se eles forem relevantes e decisivos, devem prevalecer. Mas há outros atores que também merecem ser ouvidos.

Simpatizantes de Bolsonaro comemoram resultado da eleição na avenida Paulista, em SP
Simpatizantes de Bolsonaro comemoram resultado da eleição na avenida Paulista, em SP - Danilo Verpa/Folhapress

Não se pode resvalar na velha crítica de que o Judiciário estará legislando? Veja, não creio que seja uma crítica procedente. O Supremo atuou mais proativamente em casos que envolviam as duas situações em que uma suprema corte pode e deve ser proativa: na defesa de direitos fundamentais e na proteção das regras do jogo democrático.

Dou alguns exemplos. Na primeira situação: possibilidade de uniões homoafetivas e de interrupção da gestação de feto anencéfalo. Ambas matérias politicamente delicadas, que não encontravam uma solução no Legislativo. Você não conseguia construir consensos. Mas as consequências existiam na vida real, então o Judiciário tinha que decidir.

Na segunda situação: financiamento eleitoral por pessoas jurídicas. Havia uma imensa demanda social pela sua transformação. O sistema era imoral e acho que era incompatível com a Constituição. Como o Congresso não conseguiu construir um consenso, o Supremo em boa hora derrubou um modelo de financiamento que era mafioso, como os fatos vieram a comprovar [na Operação Lava Jato].

Portanto essa afirmação de que o Supremo, entre aspas, 'legisla' é exagerada, quando não injusta. É assim em todas as democracias do mundo. Surgindo os problemas perante o Judiciário, o Supremo não pode dizer que não tem como resolver.

Qual é o embate que está colocado? É entre o nosso modelo de democracia mediada pelos partidos e o direito de votar e ser votado? Na minha visão, hoje, prévia ao debate, acho que o objetivo é avaliar se a existência de candidaturas avulsas produziria ou não um impacto positivo sobre as estruturas partidárias.

Se contribuiria para a democratização interna dos partidos, para uma aproximação dos partidos com a sociedade.

Essa é justamente uma das principais críticas à proposta, a de que o modelo esvaziaria os partidos. Se você transpuser conceitos econômicos, o princípio que vale é o de que a competição sempre aprimora os produtos.

Há questões práticas que precisariam ser equacionadas, como a distribuição de recursos do fundo eleitoral e a governabilidade no Legislativo. Há muitas questões de regulamentação posterior. Se fosse simples, a gente já teria resolvido. A matéria é politicamente e juridicamente complexa.

É um debate que deve mobilizar a classe política, os movimentos sociais, a sociedade civil. Nós estamos falando da formatação da democracia brasileira.

Como o tema é visto no tribunal? Eu não saberia dizer. O Supremo tem um modus operandi em que muitas vezes você não sabe exatamente o que os outros ministros pensam a respeito. E há uma certa liturgia de não ser invasivo.

O avanço do caso dependeria do presidente do STF para pautar seu julgamento. Depois da audiência pública e do meu voto, aí eu pedirei pauta. E quem controla a pauta é a presidência.

O sr. tem informações sobre a disposição para isso? Não. Nem o tema se colocou ainda.

O sr. imagina que o debate vá se estender no STF por muito tempo? Não. A minha ideia é fazer a audiência pública, ter o meu voto pronto no primeiro semestre do ano que vem e pedir pauta. A partir daí, é com a presidência.

O sr. é crítico do estado de coisas da política brasileira e falou há pouco da necessidade de criar uma concorrência para os partidos, que estão em crise, com a imagem arranhada. Como se chegou a esse ponto, na sua ótica? Numa democracia, política é gênero de primeira necessidade. Portanto todas as minhas posições são a favor da política, e não contra. O meu esforço é para aprimorar a política, inclusive atraindo novos valores para ela.

Presidi no TSE um grupo de trabalho que apresentou uma proposta de reforma política, que foi entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia [DEM-RJ]. Temos a expectativa de que essa proposta avance, com a instituição do voto distrital misto.

Um dos objetivos de uma reforma deve ser facilitar a governabilidade. Acho que essa multidão de partidos que nós temos mercantilizou demais a política, e o interesse público com frequência fica de lado.

Então é uma soma de problemas que levou a esse quadro atual no sistema político? O alto custo das eleições, a baixa representatividade e os incentivos à criação de partidos com pouca densidade programática produziram um quadro de descolamento entre a classe política e a sociedade civil.

Como eu penso que isso é ruim para a democracia, acho que nós devemos trabalhar para promover uma reaproximação.

Nesse sentido, o sr. considera que a candidatura avulsa poderia ser um caminho? Eu não sei. Só vou formar uma opinião sobre isso depois do debate.

Raio-X

Luís Roberto Barroso, 61
Nascido em Vassouras (RJ), o ministro se formou, fez doutorado e deu aulas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Além de atuar na advocacia privada, foi procurador do estado e assessor jurídico na Secretaria de Justiça do Rio. É autor de livros de direito constitucional. Foi indicado ao STF pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2013, ocupando a vaga de Carlos Ayres Britto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.