Lava Jato liga filho de Lula à compra do sítio de Atibaia com dinheiro de empresa de telefonia

Força-tarefa pediu prisão, mas juíza negou citando demora desde representação, de 2018; petista diz que há 'malabarismos' para perseguir sua família

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Curitiba e Rio de Janeiro

Uma nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada nesta terça-feira (10), teve como um dos alvos Fábio Luis, conhecido como Lulinha, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e investigado em razão de repasses milionários de empresas de telefonia. 

O objetivo foi aprofundar as apurações sobre a utilização de firmas de Lulinha e do empresário Jonas Suassuna para pagar despesas pessoais da família do ex-presidente. 

A origem desses recursos, segundo a investigação, foram as companhias Oi e Vivo. No primeiro caso, eles teriam sido usados para, entre outras finalidades, a compra do sítio em Atibaia (SP) frequentado por Lula —e cujas reformas patrocinadas por empreiteiras motivaram a condenação do petista por corrupção e lavagem de dinheiro.

A Polícia Federal chegou a pedir a prisão de Lulinha e de outros investigados. O MPF (Ministério Público Federal), porém, afirmou que não havia necessidade, e a solicitação foi negada pela juíza Gabriela Hardt.

O tempo decorrido desde a representação inicial e a ciência dos alvos sobre a investigação foi considerado longo pela juíza —a primeira peça do MPF foi protocolada em junho de 2018.

A Lava Jato argumentou que “os fatos são bastante complexos" e que foram somadas provas de três operações anteriores. Solto no mês passado, após 580 dias na prisão, Lula criticou a ação da força-tarefa, dizendo que ela recorre a "malabarismos" para perseguir sua família. 

Fábio Luís da Silva, filho do ex-presidente Lula - Sérgio Lima/ Folhapress

A ação desta terça envolveu 47 mandados de busca e apreensão, atingindo 9 pessoas físicas e 21 empresas. Não houve mandado de busca em endereços de Fábio Luís, apenas em empresas que seriam ligadas a ele, segundo a Procuradoria.

Os principais indícios apontados pelos investigadores foram revelados pela Folha em uma série de reportagens publicadas em outubro de 2017.

A suspeita é que repasses feitos pela Oi a empresas ligadas a Lulinha e Suassuna foram feitos sem lógica econômica, mas apenas para beneficiar a família do ex-presidente. Contratos comerciais foram firmados como fachada para dar aparência legal às transferências, segundo os investigadores.

Eles apontam como evidência o fato de vários produtos feitos por essas firmas não terem obtido resultado comercial relevante. Um dos exemplos é a "Bíblia na Voz de Cid Moreira". A Oi teve que uma receita de R$ 21 mil com a comercialização do produto num período em que repassou R$ 16 milhões à Goal Discos, de Suassuna, pelo serviço.

Os pagamentos, que somam R$ 198 milhões de 2004 a 2016, teriam sido usados para pagar despesas pessoais de Lulinha, como os apartamentos em que ele morou na capital paulista, além da compra do sítio de Atibaia frequentado pelo ex-presidente.

O MPF diz que Jonas Suassuna e Fernando Bittar adquiriram a propriedade usando parte de recursos injustificados das empresas que administravam em conjunto com Fábio. Kalil Bittar, irmão de Fernando, também é alvo das investigações.

“[Houve] uma complexa rede de operações financeiras e societárias que demonstram e indicam operações de tráfico de influência, de formação de crime organizado, de lavagem de dinheiro”, afirmou o delegado da Polícia Federal, Sergio Busato.

A área onde está a casa, o lago e outras benfeitorias do sítio de Atibaia está registrada em nome de Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar, amigo de Lula que atuou na fundação do PT. Outra parte do sítio está em nome de Suassuna.

No final de novembro, o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) condenou Lula por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio —a acusação estava ligada às reformas no local, enquanto a investigação atual da Lava Jato é sobre a compra da propriedade. O tribunal aumentou a pena fixada para Lula na primeira instância, de 12 anos e 11 meses de prisão para 17 anos e 1 mês.

Ficha-suja e impedido de disputar eleições, o petista segue solto devido à decisão do Supremo Tribunal Federal favorável à prisão só depois de esgotados os recursos nos tribunais superiores —entendimento que permitiu sua soltura no mês passado, após cumprimento de pena por condenação no caso do tríplex de Guarujá (SP). 

No caso do sítio, segundo a Justiça, Lula recebeu vantagens indevidas das empreiteiras Odebrecht e OAS em troca de favorecimento em contratos da Petrobras. Segundo a acusação, as reformas e benfeitorias realizadas pelas construtoras no sítio configuraram a prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. 

Já a defesa de Lula alega que ele não teve direito a um processo justo pois a maior parte da causa foi conduzida pelo atual ministro da Justiça, Sergio Moro, que, para os advogados, não agiu com imparcialidade durante a investigação e a ação penal do caso.

Outra alegação é a de que não há provas de que Lula atuou para beneficiar a Odebrecht e a OAS em contratos da Petrobras, ou seja, não está comprovada nenhuma contrapartida do líder petista em favor das companhias.

A operação desta terça focou a origem do dinheiro da compra desse dois imóveis que compõem o sítio. Os investigadores dizem que os valores repassados para as empresas de Lulinha e Suassuna tiveram como lastro contratos que renderam prejuízos à Oi.

Em troca dos repasses, o governo petista teria ajudado o grupo Oi, como na aquisição da Brasil Telecom, em 2008. As regras da Anatel não permitiam a operação, mas um decreto assinado pelo ex-presidente Lula na ocasião acabou admitindo a compra.

“A cronologia dos fatos e as decisões administrativas e políticas que foram tomadas desde o anúncio de intenção da fusão e o que acontecia ao tempo em que essas decisões eram tomadas é bastante suspeito”, apontou o procurador Roberson Pozzobon.

Os procuradores também suspeitam da atuação do petista José Dirceu, enquanto ministro da Casa Civil de Lula, em favor da empresa. Eles indicam que, de 2009 a 2014, a Oi transferiu cerca de R$ 10 milhões para uma empresa e um escritório de advocacia ligados ao petista, sem contrapartida. Além disso, teria arcado com despesas pessoais de Dirceu e seus familiares no período.

Outros mandados de busca dessa fase da investigação têm como objetivo apurar possíveis irregularidades no relacionamento entre o Grupo Gol (de Suassuna, que atua nas áreas editorial e de tecnologia e não tem relação com a companhia aérea de mesmo nome) com a Vivo/Telefônica.  

Os procuradores encontraram movimentação na ordem de R$ 40 milhões entre as empresas de 2014 a 2016, num projeto denominado “Nuvem de Livros” (uma biblioteca online multiplataforma, que reúne livros, vídeos e conteúdos interativos para acesso online, direcionado a clientes da Vivo). Como a Folha revelou em 2017, esse acordo ocorreu após um encontro de Lula com dirigentes da Telefônica na Espanha.

Há ainda suspeitas de subcontratações feitas pela Oi em contratos com o governo do Rio de Janeiro na gestão Sérgio Cabral e na prefeitura na administração Eduardo Paes (DEM), também revelados pelo jornal.

Questionados sobre o longo período de investigações para se chegar à operação, os procuradores alegaram que as provas foram coletadas em diferentes fases da Lava Jato e que o esquema investigado demanda tempo para sua construção.

A Polícia Federal solicitou as buscas e a prisão de Lulinha em junho de 2018. A Procuradoria solicitou novos prazos sucessivos, tendo apresentado sua posição apenas em agosto deste ano. A autorização para a operação foi dada por Hardt em setembro, mas ajustes nos endereços alvos foram feitos até fim de novembro.

“Os fatos são bastante complexos, as investigações se iniciaram há muito tempo. Especificamente para deflagração dessa operação foram somadas provas de três operações anteriores da Lava Jato e isso é bastante significativo porque mostra a importância de investigações conexas em termos de provas sejam mantidas no mesmo local”, disse Pozzobon.

Algumas provas foram coletadas, segundo o procurador, nas fases 14, 24 e 34 da Lava Jato, esta última deflagrada em setembro de 2016.

Outro lado

O ex-presidente Lula afirmou, pelo Twitter, que a operação desta terça é uma “demonstração pirotécnica de procuradores viciados em holofotes”. O petista diz ainda que o Ministério Público Federal recorre a “malabarismos” para o atingir, perseguindo sua família.

À noite, durante um evento em São Paulo, o ex-presidente chamou a operação de "canalhice". 

"Como eles [equipe da Lava Jato estão caindo no descrédito na opinião pública, eles fizeram mais uma denúncia de um inquérito que tinha sido arquivado pela Polícia Federal em 2010."

Lulinha ainda não constituiu advogado no processo desta fase da Lava Jato. A assessoria da defesa de Lula foi questionada pela Folha, mas não soube informar quem seria defensor do filho dele.

A defesa do ex-ministro José Dirceu afirmou que todos os recebimentos dele já foram alvos de investigação, "portanto qualquer nova acusação é pura invencionice".

A Telefônica disse por meio de nota que está fornecendo todas as informações solicitadas e que continuará contribuindo com as autoridades. “A Telefônica reitera seu compromisso com elevados padrões éticos de conduta em toda sua gestão e procedimentos”, completa.

Também em nota, a Oi afirmou que tem colaborado com as investigações em curso e que estabeleceu novos padrões de governança e composição societária em seu plano de recuperação judicial, aprovado em dezembro de 2017.

Ressaltou, no entanto, que os episódios citados na Lava Jato, como a fusão com a Brasil Telecom, "não representaram de fato nenhum benefício ou favorecimento a seus negócios" e, ao contrário, contribuíram para a falta de liquidez que levou à recuperação judicial da empresa.

Afirmou ainda que vem "adotando e aprimorando uma série de iniciativas e procedimentos internos, que incluem revisão e adequação de contratos, estabelecimento de novas práticas de gestão e adoção de regras estritas de compliance".

Por fim, apontou que a empresa é a "principal interessada no total esclarecimento de eventuais atos".

Nesta terça, o presidente do grupo Oi, Eurico Teles, anunciou sua saída do cargo a partir de 30 de janeiro de 2020, mas, segundo a empresa, sua exoneração segue rito fixado em termo de transição de junho deste ano, e a própria data do anúncio estava pré-estabelecida.

A Folha não conseguiu contato com o empresário Jonas Suassuna.

Em 2017, ao comentar as reportagens do jornal, ele negou ter sido beneficiado pela Oi em razão de suas relações comerciais com o filho do ex-presidente Lula.

Ele disse na ocasião que tinha um "carimbão" da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Receita Federal que atestavam sua respeitabilidade, por não ter sido denunciado na ação penal do sítio de Atibaia.

"Tudo isso já passou pelo escrutínio da Receita Federal. Já prestei todas as contas e não fui multado. Levei muito tempo para chegar aonde cheguei. Tenho currículo, respeitabilidade e um carimbão da Polícia Federal e do Ministério Público. Em nenhuma delação eu apareci", disse o dono do Grupo Gol.

O empresário negou também ter usado o nome do ex-presidente para fechar negócios. "Não preciso do presidente Lula. Eu não quero. Ganhei nesses anos todos mais dinheiro com a Fundação Roberto Marinho do que com a Oi."

Disse ainda que comprou um dos terrenos do sítio em Atibaia, atribuído ao ex-presidente Lula, a pedido de Jacó Bittar, pai de Fernando e Kalil Bittar e amigo do petista.

"Ele [Jacó] me disse: 'Comprei um sítio, mas o cara só vende dois. O presidente Lula vai sair da Presidência e quero que ele fiquei comigo, porque ele é meu amigo. Quero fazer isso para ele'. Eu tinha R$ 1 milhão. Tinha muito mais. Fui lá e comprei. Com meu dinheiro eu compro o que eu quiser", disse ele.

A defesa de Fernando Bittar informou que ainda não teve acesso à íntegra das investigações, mas que, há mais de dois anos, entregou ao MPF documentos comprobatórios de prestação de serviço das empresas. 

Em relação à aquisição do sítio de Atibaia, afirmou que o próprio MPF reconheceu que a propriedade foi adquirida com valores lícitos, originados do pai de Fernando, Jaco Bittar. Por fim, aponta que Fernando Bittar permanece à disposição das autoridades. Kalil não se pronunciou até a publicação deste texto. 

Quem é quem na apuração

Fábio Luis, o Lulinha
Filho do ex-presidente Lula, é empresário

Lula
Presidente de 2003 a 2010, foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em caso envolvendo reformas bancadas por empreiteiras no sítio que frequentava em Atibaia (SP)

Jonas Suassuna
Empresário e sócio de Lulinha em diversas empresas, como a Gamecorp. É dono de parte do sítio de Atibaia

Fernando Bittar
Dono da outra parte do sítio e filho de Jacó Bittar, amigo de Lula que atuou na fundação do PT

Kalil Bittar
Irmão de Fernando, também é alvo das apurações

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