Governo de SP gasta média de R$ 150 mil ao mês com funcionários afastados sob suspeita

Dados deste ano incluem servidores estaduais investigados por patrimônio incompatível

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São Paulo

O Governo de São Paulo tem desembolsado média de R$ 150 mil ao mês com remunerações de funcionários afastados devido a sindicâncias administrativas que investigam, por exemplo, suspeitas de incompatibilidade entre patrimônio e salários.

Os dados, que vão de janeiro a outubro deste ano e totalizam R$ 1,5 milhão, foram obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.

A conta enviada não inclui policiais militares e servidores afastados que se aposentaram enquanto respondiam a apurações internas.

Entre os servidores afastados e remunerados estão os que chegaram a ser presos em flagrante, preventivamente ou temporariamente.

Embora o Estatuto do Servidor de São Paulo preveja que, nesses casos, os funcionários teriam "prejuízo da remuneração, até a condenação ou absolvição transitada em julgado", decisão do Tribunal de Justiça de SP considera que o artigo fere "princípios constitucionais da não culpabilidade e da irredutibilidade da remuneração aplicáveis aos servidores públicos".

No período informado, o mês em que menos foi gasto com afastados é agosto, quando R$ 115 mil foram distribuídos entre 17 funcionários. A maior despesa foi em abril, de R$ 176 mil para 29 servidores.

Dois servidores investigados foram demitidos no final de novembro, "a bem do serviço público". Ambos eram agentes fiscais de rendas da Secretaria da Fazenda.

Um deles era Marcelo Guedes da Fonseca Pereira, que em outubro teve remuneração líquida de R$ 22,5 mil. Em 2016, ele foi preso em flagrante sob suspeita de receber R$ 20 mil de propina numa fiscalização. Foi condenado em primeira instância e recorre da decisão.

Outro, Eduardo Takeo Komaki, teve remuneração no mesmo mês de R$ 11,3 mil. Ele foi preso na Operação Zinabre, que apontou agentes fiscais suspeitos de participarem da Máfia do ICMS no estado, e é réu em duas ações criminais. Ambos podem recorrer na Justiça da demissão.

A Folha pediu informações ao governo sobre quantos do total de investigados são agentes fiscais, mas a demanda, também via Lei de Acesso à Informação, não foi respondida.

A categoria, que fiscaliza a tributação estadual, tem sido um dos principais focos de investigação do Ministério Público de São Paulo em ações de combate à corrupção.

Era da cúpula da secretaria um funcionário afastado que, até outubro, não estava recebendo, mas recorreu com base na decisão do TJ e deve voltar a ser remunerado.

É o ex-corregedor da Secretaria da Fazenda Marcus Vinicius Vannucchi, que ocupou o cargo entre 2016 e 2019. Ele foi preso preventivamente em junho, sob suspeita de cobrar propina para engavetar as apurações que fazia na pasta, e solto um mês depois.

Vannucchi havia parado de receber o salário, mas entrou na Justiça e obteve decisão favorável em outubro do juiz José Gomes Jardim Neto, da 10ª Vara da Fazenda Pública de SP.

"A suspensão de pagamentos de vencimentos do servidor público sem decisão definitiva na esfera administrativa ou judicial, reconhecendo ilícito funcional ou criminal, viola o princípio da ampla defesa e impõe ao averiguado prejuízo à sua subsistência", disse o juiz, em sua decisão.

Entre os funcionários não incluídos nesse R$ 1,5 milhão, estão afastados que, antes de terem os processos julgados, se aposentaram. Eles continuam respondendo administrativamente. É o caso de alguns dos envolvidos na Zinabre e na Operação Yellow, também com suspeitos de receberem propina. Um dos agentes acusados recebeu R$ 13 mil em setembro. Outro, R$ 12 mil.

Doláres empilhados em cima d euma mesa
Dólares encontrados em casa ligada ao ex-corregedor da Secretaria da Fazenda de SP Marcus Vinícius Vannucchi - Reprodução

Atualmente, é réu sob acusação de prática dos crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, e também em ação civil de improbidade.

Ele ficou conhecido por um "bunker" (uma sala cuja abertura era acionada por controle remoto) encontrado pela Polícia Civil na casa de sua ex-mulher com US$ 180 mil (cerca de R$ 693 mil) e 1.300 euros (cerca de R$ 5.640) em Itatiba (SP). A defesa de Vannucchi sempre negou as acusações.

A Secretaria da Fazenda de São Paulo afirma que "as hipóteses de suspensão de remuneração de servidores públicos envolvidos em apurações de irregularidades, seja no âmbito administrativo seja no criminal, estão previstas na legislação estadual que regula o tema, cabendo aos executivos estaduais agir em conformidade com essas regras".

"A legislação estadual limita a interrupção de pagamentos aos casos de prisão em flagrante do servidor envolvido em irregularidades, até que haja condenação ou absolvição transitada em julgado."

A respeito do ex-corregedor Vannucchi, a secretaria informa que recorreu da decisão.

O advogado Alamiro Velludo Netto, que defende Marcelo Guedes Pereira, afirma que recorreu ao TJ sobre a condenação de seu cliente e que "existe absoluta confiança que o Poder Judiciário reconhecerá a inocência de Marcelo".

A advogada de Komaki, Simone Haidamus, afirma que a defesa não teve acesso à decisão da exoneração, mas que seu cliente deve recorrer. A respeito das ações penais, diz que ainda estão em tramitação e "existem muitas provas para serem produzidas".

"A incompatibilidade do patrimônio não é real, é uma fantasia do Ministério Público."

Entenda o caso

O que diz o Estatuto do Servidor de São Paulo?
Que funcionários afastados devido a sindicâncias administrativas devem ter "prejuízo da remuneração, até a condenação ou absolvição transitada em julgado"

Como servidores continuam recebendo?
Há uma decisão do Tribunal de Justiça do estado que considera que o artigo do estatuto fere "princípios constitucionais da não culpabilidade e da irredutibilidade da remuneração aplicáveis aos servidores públicos"

O que diz o governo de SP sobre o caso?
A Secretaria da Fazenda afirma que "as hipóteses de suspensão de remuneração de servidores públicos envolvidos em apurações de irregularidades [...] estão previstas na legislação estadual que regula o tema" e que a lei "limita a interrupção de pagamentos aos casos de prisão em flagrante do servidor envolvido em irregularidades, até que haja condenação ou absolvição transitada em julgado"

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