Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Na periferia de SP, mutirão da Aliança de Bolsonaro inclui exaltação a Moro e bate-boca

Voluntários encaram apoiadores e críticos na coleta por assinaturas para criar sigla do presidente

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São Paulo

“Onde eu assino?”, diz um dos que passam pela calçada sob a chuva da tarde de quinta-feira (6) em Itaquera, na zona leste de São Paulo, ao ver um grupo verde e amarelo. Outros olham torto —e há quem cochiche um “sou vermelho e branco”— ao cruzar com a coleta de assinaturas para a criação da Aliança pelo Brasil, futuro partido do presidente Jair Bolsonaro. 

Um grupo de 11 voluntários bolsonaristas tem rodado a periferia paulistana atrás de apoiadores. Fazem vaquinha para custear cópias de formulários, tenda, banners, camisetas, bandeiras e calculam ter conseguido mais de mil assinaturas em duas semanas —entre abraços, selfies, gritos de guerra e também bate-boca com quem se opõe.

Para concorrer no pleito municipal de outubro deste ano, a Aliança tem até 4 de abril para apresentar ao menos 492 mil assinaturas e ainda obter a validação pela Justiça Eleitoral. A meta tem sido considerada improvável por Bolsonaro, que reconhece a possibilidade de só viabilizar a sigla para a eleição presidencial de 2022. 

Na tentativa de inibir fraude, resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) diz que a ficha para cadastro deve apresentar a assinatura do futuro filiado e de uma testemunha. Qualquer falha pode invalidar os registros.

Por isso, os eventos de coleta de assinaturas, que começaram no fim de 2019, após Bolsonaro sair do PSL, vêm se intensificando ao longo das primeiras semanas de 2020. Os organizadores da campanha têm atuado em igrejas evangélicas e cartórios, além de mutirões, como na última quinta-feira em SP.

O garoto-propaganda da Aliança em Itaquera foi Sergio Moro, ex-juiz e atual ministro da Justiça. Em uma das faixas sua foto era acompanhada da frase “somos todos Moro”. Outra dizia: “Apoio total ao Moro e a Lava Jato”. Nenhum banner ou camiseta tinha a foto de Bolsonaro.

Quem chegava para assinar fazia questão de elogiar o ministro. “Estou aqui não pelo presidente, mas por Moro”, chegou a dizer um. O empresário Caio Capelleti, 31, estava indo ao banco quando viu a tenda bolsonarista. “Gosto do Moro e apoio 70% do governo Bolsonaro”, afirmou.

O ex-juiz é frequentemente cotado como candidato à sucessão de Bolsonaro, embora afirme repetidamente não ter interesse em disputar a eleição. O presidente voltou a sinalizar nos últimos dias que pode indicar Moro para vaga que será aberta neste ano no STF (Supremo Tribunal Federal).

Moro foi responsável pelas principais condenações da Lava Jato, em especial a do ex-presidente Lula (PT) no caso do tríplex de Guarujá (SP). Deixou a magistratura, aceitou assumir um cargo sob Bolsonaro e se tornou o ministro mais bem avaliado do governo, com índice superior também ao do presidente.

Apesar de a imagem do ministro ser usada para atrair apoiadores ao novo partido, Moro disse à Folha, por meio de sua assessoria, que não tem intenção de se filiar a nenhuma legenda. A relação do ministro com Bolsonaro teve altos e baixos ao longo do mandato, e a saída dele do governo já foi aventada em alguns momentos. 

O grupo de voluntários da Aliança admite a dificuldade de viabilizar a sigla a tempo de participar das eleições de 2020. “Acredito que não vai dar certo este ano por causa da burocracia. Se acontecer, vai ser um milagre. Mas mesmo assim estamos dando nosso sangue e toda dedicação pelo nosso presidente”, diz a advogada Eliane Maffei, 52.

Embora os CEPs abastados sejam mais receptivos ao grupo, eles dizem fazer questão de ir às "quebradas" também. O bairro onde tiveram recepção menos amistosa foi São Mateus, antigo reduto de candidaturas petistas na zona leste da cidade. “Mas a gente tem que falar com todo mundo”, afirma Eliane. Onde se sentiram mais abraçados foi no centro de São Caetano do Sul, no ABC paulista.

O grupo que hoje coleta assinaturas para formar a Aliança se aproximou durante as passeatas pelo impeachment da ex-presidente petista Dilma Rousseff

A primeira vez que entraram em ação em prol do partido de Bolsonaro foi quando um dono de empresa de parafusos em Diadema, apoiador do presidente, entrou em contato com uma das integrantes e sugeriu a mobilização para a nova sigla. 

As provocações, dizem, levam na brincadeira. “A gente não xinga, manda para aquele lugar, nada, é tudo no sambinha”, afirma a técnica de segurança do trabalho Márcia Souza, 54.

Mas quando uma mulher passa e critica Bolsonaro, os ânimos se exaltam. Sem querer se identificar, ela grita: “Bolsonaro não gosta nem de pobre nem de preto. Não olha pra gente”. Ouve em troca um “vai pra Cuba!”. E responde que até iria, se pudesse. Mas não é petista, frisa. Diz que “é tudo máfia, cada um que entra fica pior”. Ela chegou a passar mal devido ao bate-boca.

O youtuber de direita Marcos Santos, 53, dono do canal Marcão News, diz que resolveu ir às ruas colher assinaturas quando percebeu que "o povo estava perdido, confuso com as informações desencontradas". 

“A gente esclarece o que é preciso fazer porque muita gente não vai ler o site do partido, só vê rede social”, diz, explicando que basta o RG, o CPF e o número do título de eleitor. Aí é só preencher o formulário e reconhecer firma da assinatura no cartório. A operação custa em torno de R$ 7.

“Foi bem rapidinho”, surpreende-se o empresário Claudionor Pereira, 56, que tinha ido comprar uma mala de viagem e acabou trombando com a tenda bolsonarista. Já estava nos planos assinar, mas a ação deu uma empurradinha. Ele aproveitou e pegou mais um papel para levar para a mulher, “que trabalhou 24 horas para a eleição de Bolsonaro, no WhatsApp, Facebook”.

Já o auxiliar de escritório Lucas Gabriel Santos, 24, não sabia o nome do novo partido, só que o presidente tinha deixado “aquele outro”, sem se recordar do PSL. Ele, que trabalha em Itaquera, diz não acreditar no voluntarismo do grupo.

“Todo mundo veio de graça, nada.” Mas reformula: “a gente não acredita por causa do PT, que sempre paga alguma coisa”. “Você ganhou um sanduíche de mortadela? Um Ki-suco?”, retruca Marcão.

Opa, “mais um patriota”, comemora o grupo toda vez que alguém topa assinar. Questionados se a nomenclatura não confundiria com o partido homônimo, eles negam. “Chamamos de patriota quem gosta das cores do Brasil, como diz o lema [da legenda de Bolsonaro]: Deus, pátria e família. Ninguém confunde. Este é o primeiro partido genuinamente de direita e conservador”, diz Eliane.

Os voluntários também saem de vários endereços: Barueri, Diadema e São Caetano, na Grande São Paulo, e Jardins, bairro nobre da capital paulista.

Márcia acordou às 5h30 porque sabia da peregrinação que iria encarar de Santana de Parnaíba, na região metropolitana, até a zona leste. Foram 4h30 e cinco transportes. “É por amor ao país”, justifica.

A arquiteta Amanda Helena, 40, está enfrentando uma depressão, mas ainda assim, atravessou a cidade, da zona sul até a leste, em duas horas, para dar apoio à criação do partido. É que “patriota não tem tempo para depressão”, diz a amiga, Eliane. 

Nascida em Belém, no Pará, Amanda mudou-se para São Paulo no ano passado e passou a ser figura carimbada nas manifestações verde-amarela na avenida Paulista. “A gente tem que formar uma aliança agora, como diz o nome do próprio partido."

Na placa lê-se "Aliança pelo Brasil Nova Iguaçu". Da esquerda para a direita vê-se as fotos de Michelle e Jair Bolsonaro, Sergio Moro, Damares Alves e Flávio Bolsonaro
Placa da Aliança pelo Brasil em Nova Iguaçu traz a foto do ministro Sergio Moro - Nicola Pamplona/Folhapress

COMO SE CRIA UM PARTIDO?

O processo de criação de uma legenda envolve várias etapas. São elas: 

  • Elaboração de um programa e estatuto com assinatura de pelo menos 101 fundadores, que sejam eleitores residentes no Brasil e estejam com direitos políticos plenos 
  • Registro em cartório em Brasília e publicação do estatuto no Diário Oficial da União
  • Registro de criação no TSE, em até 100 dias 
  • Obtenção do apoio equivalente a 0,5% dos votos válidos da última eleição geral para a Câmara, distribuídos em no mínimo um terço dos estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado em cada um deles; o prazo é de dois anos 
  • Obtenção do Registro de Partido Político em pelo menos um terço dos TREs do país e registro da Executiva Nacional no TSE

Quanto tempo leva todo o processo de criação?
Em média, cerca de três anos e meio. O recorde foi do PSD, do ex-ministro Gilberto Kassab, que levou um pouco mais de seis meses.

Para participar de uma eleição, a legenda precisa ser criada até seis meses antes do pleito.

Qual a parte mais demorada?
Geralmente é o processo de recolhimento e certificação das assinaturas, que são conferidas pela Justiça Eleitoral (para verificar, por exemplo, se não há duplicações). É comum que os partidos recolham mais assinaturas do que o necessário para compensar as que são desqualificadas.

Quantas assinaturas são necessárias?
Levando em conta as eleições de 2018, 0,5% dos votos válidos para a Câmara equivalem a 491.967 assinaturas, que precisam ser distribuídas por ao menos nove estados. Além disso, é necessário que, em cada estado, haja um mínimo de firmas equivalentes a 0,1% dos eleitores que votaram.

Normalmente as legendas costumam apresentar um número próximo de 1 milhão de assinaturas.

É possível recolher assinaturas digitais, como quer Bolsonaro?
O TSE afirmou que sim, desde que as assinaturas sejam validadas por meio de certificação digital. Isso, na prática, não torna o processo muito mais simples do que o recolhimento manual.

A certificação foi criada em 2001 e se baseia no uso de chaves com criptografia para garantir a segurança do registro. Segundo dados da Associação Nacional de Certificação Digital (ANCD), há atualmente no Brasil 3,78 milhões de pessoas físicas que possuem certificado digital (2,58% do eleitorado).

Para obter a certificação, paga-se, em média, de R$ 50 a R$ 70 por ano. Os certificados valem por períodos de 1 a 5 anos, dependendo da modalidade. De acordo com a ANCD, há 17 autoridades certificadoras, entre entidades e empresas públicas e privadas.

Um novo partido tem acesso a recursos públicos?
Sim, mas apenas a uma parcela pequena do fundo eleitoral (que financia as eleições). Do total (foram R$ 1,8 bilhões em 2018), 2% são distribuídos igualmente entre as legendas. O restante é repartido de acordo com o desempenho nas eleições Legislativas. Sem participar do último pleito, uma nova legenda não entra na conta de 98% dos recursos.

Em relação ao fundo partidário (que financia o funcionamento dos partidos), a lei condiciona o acesso ao desempenho nas eleições para a Câmara dos Deputados. Assim, siglas que não disputaram não têm direito a esses recursos (exceção no caso de fusão ou incorporação de partidos). 

E quanto ao tempo de TV durante as eleições?
O tempo de TV também é limitado aos partidos que tiveram um desempenho mínimo nas últimas eleições. No caso de cargos majoritários (senadores, prefeitos, governadores e presidente), porém, as legendas podem formar coligações, e o que conta é a bancada que os seis maiores partidos do grupo elegeram para a Câmara.

Políticos podem se filiar a um novo partido sem perder o mandato?
Depende. Vereadores e deputados não podem deixar a sigla pela qual foram eleitos sem perder o cargo, salvo situações específicas (como no período da janela partidária ou por terem sofrido discriminação na legenda).

Prefeitos, senadores, governadores e presidente, por sua vez, podem mudar de legenda em qualquer situação sem sofrer perda do mandato.

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