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Coronavírus

Coronavírus chega ao STF e se acumula a outras crises já instaladas no país

Supremo precisa reagir diante de inúmeros desafios, entre eles a atuação do presidente Bolsonaro

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A pandemia do novo coronavírus chegou ao Supremo Tribunal Federal. As sessões presenciais de julgamento, das turmas e do plenário, serão diminuídas, e os ministros, assessores e parte dos servidores que compõe grupos de risco entrarão em trabalho remoto.

As medidas anunciadas pelo ministro Dias Toffoli precisaram adequar a essencialidade da prestação jurisdicional e a manutenção do funcionamento de um dos Poderes da República às exigências de isolamento social impostas pela pandemia.

O regimento interno do tribunal foi alterado para ampliar hipóteses de julgamento em plenário virtual, sessões presenciais ocorrerão quinzenalmente e os ministros e assessores seguirão trabalhando de suas casas.

O presidente Dias Toffoli, em discurso, fez questão de afirmar que as medidas não significam, de forma alguma, o fechamento da corte.

O presidente do STF, Dias Toffoli, ajusta sua máscara durante entrevista coletiva à imprensa na quarta (18) - Adriano Machado/Reuters

Para além das mudanças na rotina do tribunal —cujo impacto no acesso à Justiça podem ser brutais e, por isso, precisam ser acompanhadas e reavaliadas— o novo coronavírus contaminou a pauta do Supremo.

Já há um bocado de ações que pedem ao tribunal uma especial consideração de temas constitucionais diante da pandemia.

A primeira demanda judicial a gerar reação pelo tribunal se deu no âmbito da ação que declarou o sistema prisional brasileiro inconstitucional, em 2015.

Foi pedido ao tribunal que, diante da pandemia, fossem adotadas medidas urgentes a garantir a integridade e a vida de pessoas privadas de liberdade que compõem o grupo de risco para a infecção do novo coronavírus. Ou seja, que idosos, grávidas, lactantes, pessoas vivendo com HIV ou com outras doenças imunodepressivas ou com doenças crônicas tivessem a prisão substituída por liberdade ou medida cautelar distinta da prisão.

A motivação é óbvia: a manutenção da prisão de pessoas do grupo de risco em péssimas condições de detenção e em superlotação durante uma pandemia seria ilegal, sobretudo diante do uso abusivo de prisões provisórias e da existência de alternativas à prisão.

O Supremo reconheceu a importância do debate, mas negou o pedido por questões processuais. Fica a sensação de que as cautelas que o tribunal aplica aos seus ministros e servidores não merecem ser estendida às pessoas privadas de liberdade.

A capacidade do Estado responder à pandemia foi levada também às ações que questionam a constitucionalidade do novo regime fiscal brasileiro instituído pela emenda constitucional 95, conhecida como emenda do teto de gastos.

A ministra Rosa Weber recebeu uma série de dados sobre o subfinanciamento da saúde e de políticas de proteção social causado pela medida e que, agora, fragilizam e restringem as respostas que devem ser dadas pelo poder público, seja para recompor o financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde) que perdeu, nos últimos anos, R$ 30 bilhões, seja para expansão de programas de educação e assistência social.

Em um Estado de Direito enfraquecido, desigual e afetado por racismo estrutural, pode-se dar como previsível o fato que os impactos mais perversos da pandemia recairão sobre os mais vulneráveis. E, não custa ressaltar, é papel do Supremo Tribunal Federal preservar a Constituição que exige do Estado brasileiro o combate às injustiças e a garantia dos direitos fundamentais.

Há, ainda um mandado de segurança para que o Supremo reconheça a omissão do presidente da República em emitir decreto para fechar fronteiras do país diante da pandemia.

Com o agravamento da situação no país, como anunciam os números, a crise do novo coronavírus deve seguir se refletindo na dinâmica e nos temas em julgamento no STF.

Porém a crise é muito mais ampla que a emergência de saúde —o país passa por uma profunda crise política, institucional e econômica— e, em igual proporção à amplitude da crise, está a responsabilidade do Supremo.

É missão do STF controlar os atos do presidente da República que podem, em caso de omissão e incompetência históricas, afetar a vida e a saúde de milhares de brasileiros.

De outra parte, estados de emergência, decretos de calamidade pública e outras medidas desta natureza são previstas no direito geralmente como instrumentos que acentuam poderes executivos —o que se mostra cada vez mais uma péssima ideia.

Arroubos autoritários, enfrentamento às instituições democráticas e intolerância têm caracterizado a atuação presidencial: de ataques a jornalistas investigativos e à imprensa em geral, passando por incitamento à violência contra povos indígenas e questionamento da lisura das eleições, até apoio explícito a movimentos que pedem fechamento de Congresso Nacional e do próprio Supremo.

O presidente afronta cotidianamente a Constituição que jurou proteger sob o olhar manso do procurador-geral da República. Acentuar poderes poderia significar, agora, acentuar a violação à Constituição.

Até o momento, o STF tem abdicado de exercer o controle sobre tais atos. Uma quase centena de ações judiciais propostas por partidos políticos, associações de classe e governadores contra atos, omissões e declarações do presidente aguardam apreciação pelos ministros.

O desmonte das políticas ambientais segue a todo vapor, assim como o aparelhamento ideológico em áreas centrais: educação, direitos humanos, política externa, vigilância sanitária. Com poucos freios, o presidente segue aumentando o tom e ultrapassando limites.

Não lidar com problemas não faz com que desapareçam, mas que se acumulem e se agravem. A pandemia do novo coronavírus chegou ao Supremo e se acumulou a outras crises já instaladas. Porém imprime a todas sentido de urgência: um chamado decisivo para que o STF guarde a Constituição.

Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP

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