Simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro em ato na avenida Paulista neste domingo (15) desafiaram a pandemia de coronavírus e se concentraram em frente à sede da Fiesp (federação das indústrias). Grande parcela dos manifestantes era de idosos, grupo de risco da doença. Parte do público usava máscaras.
A manifestação ocorreu apesar de Bolsonaro ter sugerido adiamento dos atos e os grupos de direita em São Paulo terem desmobilizado a organização —apenas o Movimento Direita Conservadora (MDC) levou caminhão de som à Paulista.
Como mostrou a Folha, porém, o clima de conflagração e de convocação permaneceu nos últimos dias, o que acabou levando pessoas à Paulista. O próprio Bolsonaro participou do ato em Brasília e estimulou as manifestações pelo país neste domingo.
No auge, o protesto tomou conta de um quarteirão da avenida Paulista, mas com os manifestantes espaçados. Em meio à pandemia de coronavírus, o público, portanto, foi menor do que em atos em apoio a Bolsonaro no ano passado.
"Achei até bom não estar tão cheio", disse o aposentado Vicente Sanches, 76, que usava máscara. "Estou usando para me proteger por causa da idade", completou.
Após a manifestação, uma briga terminou com uma pessoa baleada na avenida Paulista. Segundo relatos de pessoas presentes, dois homens com camisa do Flamengo e carregando bandeira do Brasil se envolveram em uma briga com duas mulheres. Um deles teria puxado a arma e atirado. Uma pessoa ficou ferida e foi levada ao Hospital das Clínicas.
O tom da manifestação na Paulista foi de protesto contra o Congresso e o Judiciário. Cartazes pediam intervenção militar e AI-5. Do caminhão de som, o grito "intervenção" foi puxado.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o presidente do STF, Dias Toffoli, e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), foram alvos. Houve gritos pedindo a prisão deles.
O coronavírus foi chamado de "mentira" por líderes que discursaram no caminhão de som. Eles insinuavam que a doença foi usada como desculpa pelo governador João Doria (PSDB), adversário de Bolsonaro, e pelas autoridades para cancelar a manifestação e questionaram por que o Carnaval não foi cancelado —no Carnaval a pandemia não estava declarada pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
No caminhão, o coronavírus era chamado de "comunavírus". O Movimento Direita Conservadora lançou máscaras com a bandeira do Brasil para os manifestantes. "Eu tenho mais medo dos políticos. Maia e Lula livre são os vírus do Brasil", disse a empresária Sofia da Conceição Pereira, 65, a respeito do coronavírus. Sem máscara, ela disse que quando a manifestação foi cancelada, pensou: "Vou nem que eu vá sozinha".
"Pensei a mesma coisa!", afirmou Sandra Ferri, 64, logo ao lado. "Sou Bolsonaro, não há corona que me segure", completou a professora aposentada, que também dispensou a máscara.
Para a dupla Ilana Vieira, 60, e Sueli Guidetti, 65, que também estava sem máscara, Bolsonaro apenas cancelou as manifestações por ser seu papel como chefe de estado. "Mas na verdade ele queria que o povo viesse, porque ele não consegue trabalhar", disse Guidetti.
A aposentada afirmou "não estar acreditando muito nisso" de coronavírus e estimou que 90% do público na Paulista estivesse sem máscara. Para Vieira, que é fonoaudióloga, a China pode ter fabricado a crise para se aproveitar economicamente. "Esse vírus é mais fraco que gripe. O STF tem que ser preso em peso, por ser comunista."
A princípio, a Prefeitura de São Paulo havia determinado que a avenida Paulista não fosse fechada para pedestres como ocorre todo domingo. A ideia era evitar aglomeração em meio à pandemia de coronavírus.
A Polícia Militar, no entanto, fechou a via por volta de meio-dia, quando os manifestantes começaram a se concentrar na Fiesp.
No início da manifestação, o Movimento Direita Conservadora, responsável pelo caminhão de som, estacionou o veículo na alameda Pamplona na esquina com a Paulista e passou a pressionar a PM para liberar a entrada do caminhão na avenida.
As pessoas endossaram a pressão e chegaram a cercar policiais, mas líderes do MDC colocaram panos quentes: "pessoal, vamos aplaudir a PM, eles estão apenas cumprindo ordens". Um líder chegou a dizer no caminhão que estava realizando "um ato de desobediência civil pacífica".
Por volta das 15h30, o movimento desobedeceu ordem da PM e levou o caminhão à Paulista. Antes disso, porém, os organizadores pediram dinheiro aos manifestantes para pagar a multa de, segundo eles, R$ 5.800, pela infração.
Os manifestantes passaram a levar dinheiro para os organizadores, que recolhiam as notas ao lado do caminhão. "É o maior ato de desobediência civil da história do país", disse um líder do MDC.
O grupo aproveitou para fazer propaganda, afirmando ter sido o único a encarar a manifestação —os demais atenderam a orientação de evitar aglomeração.
O presidente do MDC, Wagner Cunha, 56, psicólogo, ativista e autor de 11 livros, saiu de Uberlândia (MG) para se manifestar com o caminhão de som, alugado em Campinas (SP). "É pelo Brasil que estamos aqui. É um movimento espontâneo do povo", disse ele, que é pré-candidato a prefeito da cidade mineira pelo PRTB.
"Temos medo é do comunavírus. O metrô está funcionando, o cinema, o shopping, o aeroporto... E aqui é um ambiente aberto", respondeu ao ser questionado sobre sentir-se irresponsável diante do pedido de autoridades de saúde para evitar aglomerações.
Cunha disse ser contra o orçamento impositivo, o parlamentarismo, a ideologia de gênero, a lei de abuso de autoridade e a favor da prisão em segunda instância. Ele defendeu no caminhão a criminalização do comunismo.
Outro tema lembrado nos discursos foi a alegação, sem provas, de Bolsonaro sobre fraude eleitoral —as pessoas defenderam o voto impresso. E também houve um momento em que os manifestantes se ajoelharam para rezar o Pai Nosso na avenida.
O advogado Antônio Ribas, 70, da União Nacionalista Democrática, foi outro líder a falar no caminhão. Se apresentando como líder de um movimento intervencionista há 30 anos, ele disse defender o intervencionismo civil, da sociedade, "porque o crime tomou conta das instituições".
Ribas afirmou que uma pessoa tentou empurrá-lo do caminhão de som, e a polícia interveio para controlar a situação.
Nos arredores da Paulista, a concentração de policiais militares era alta, semelhante ao efetivo visto em dias de manifestações previamente acordadas com o poder público. Ao final do ato, os manifestantes aplaudiram a PM.
A avenida, porém, não foi completamente interditada para os carros —ficou fechada em quatro quarteirões, da alameda Ministro Rocha Azevedo até a alameda Campinas. O trecho com concentração manifestantes, porém, era menor: da alameda Casa Branca até a alameda Pamplona.
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