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Em casa, procuradores, ministros e advogados conciliam processos com filhos e lives

Magistrados dizem se adaptar bem ao home office, mas advogado sente falta do contato com os juízes

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São Paulo

Isolados em casa, magistrados, advogados e procuradores se desdobram entre lives, videoconferências e cuidados com a casa e os filhos para manter em dia o trabalho e o andamento dos processos.

O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Rogério Schietti Cruz fragmentou seu gabinete em 26 partes. “No primeiro dia em que houve a orientação do distanciamento social por causa do coronavírus eu mandei todo mundo para casa. Não vai ficar ninguém aqui”, disse.

O home office nem é tanta novidade ali. Antes da pandemia, Schietti já tinha reservado um período do dia para trabalhar mais perto do filho e concedido o benefício a um funcionário que foi morar no Canadá.

O ministro despacha de um escritório preparado no mezanino de sua casa, no Lago Norte, região nobre de Brasília. Divide o espaço com a esposa, Danielle Martins, promotora de Justiça em Sobradinho, cidade satélite da capital federal, que também faz trabalho remoto.

O ministro do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) Rogerio Schietti Cruz no escritório da sua casa
O ministro do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) Rogerio Schietti Cruz no escritório da sua casa - Acervo pessoal

Schietti vê vantagens no home office. Ele faz exercícios físicos de manhã, participa das aulas de inglês do filho e diz que sobrou mais espaço na agenda para leitura, filmes e séries. A produção do gabinete, afirma, se manteve.

“Imagino que tenha sido o tempo [não gasto] com deslocamento. No trabalho você acaba conversando muito com colegas e, em casa, embora haja problemas domésticos, você ganha tempo”, diz. “Foram 1.300 decisões no mês.”

Schietti diz que nesse período pôde se concentrar mais em analisar as ações judiciais. “Como não estamos mais recebendo advogados e nem participando de sessões presenciais todo meu trabalho ficou concentrado no exame de processos. Claro que os advogados têm a possibilidade de entrar em contato por telefone, mas o grosso hoje no trabalho é cada um no seu canto.”

Próximo dali, em seu casarão, no Lago Sul, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, interrompe a conversa por telefone com a Folha para gravar um vídeo que enviará para um ministro do Supremo.

O filme substituirá seu contato direto com o magistrado. Kakay diz temer que a pandemia dificulte ainda mais o acesso de advogados aos juízes e ministros —o que, na sua avaliação, já era restrito antes da crise.

“São milhares [de processos] para cada ministro do Supremo. Então não adianta você ser o melhor advogado do mundo, escrever bem para c... se você não consegue tirar o seu processo para poder conversar sobre isso com o ministro, de preferência, ou [com] o assessor que vai despachar.”

“Nós temos que ter cuidado para que depois que passar essa pandemia esses efeitos colaterais não fiquem e atrapalhem o direito de defesa.”

O confinamento não deixou Kakay menos ativo. As conversas com a Folha foram interrompidas para que ele participasse de lives nas redes sociais sobre questões do Judiciário.

Ele confessa ter pouca intimidade com os meios eletrônicos. Quando grava vídeos, manda antes para um advogado do seu escritório fazer a edição da imagem.

Se vai participar de uma live pelo Instagram, pede ajuda para a esposa. “Eu nem tenho Instagram”, diz. Isso não impediu que ele fizesse 21 lives até agora na quarentena.

Kakay não é daqueles que enxergam vantagens nesse novo modelo de trabalho remoto. “Clientes vieram me procurar e não peguei os casos. Eu preciso ter contato pessoal”, diz.

A rotina antes da pandemia começava com natação e alguns exercícios. Depois, lia o noticiário e repassava sua agenda para uma secretária. Almoçava com a equipe. “Escolhíamos uma mesa reservada num restaurante e tomávamos duas garrafas de vinho.”

Agora, ele fica em casa e só sai, de vez em quando, para visitar a mãe. Os vinhos, contudo, não saíram da pauta. “Já foram 75 garrafas até agora”, disse, às gargalhadas, quando completava o 40º dia de quarentena.

Kakay está entre os mais importantes advogados do país. Em excentricidade, é o primeiro. Enquanto seus pares circulam de terno e gravata e usam gel no cabelo, ele cultiva uma cabeleira rebelde, deixa a barba crescer para os lados e aparece em eventos de batas e coletes coloridos.

No homeoffice, só se rende à formalidade quando vai gravar os vídeos para os magistrados —mas nem tanto. Veste a beca que costuma usar nos tribunais superiores, mas o que a câmera não mostra é que da cintura para baixo ele está usando apenas bermuda.

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, em sua casa
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, tomando vinho em sua casa, durante a quarentena - Acervo pessoal

Em São Paulo, o juiz federal Paulo Sergio Domingues foi um dos responsáveis por tornar possível o trabalho remoto dos magistrados. Ele preside a comissão de informática do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

De seu apartamento, analisa processos mirando duas telas do seu computador. “Quando estava no gabinete eram quatro monitores”, conta.

Domingues diz que, quando a pandemia chegou, o tribunal já disponibilizava ferramentas para comunicação à distância e boa parte dos processos estavam digitalizados. Ainda assim, ele acha que é preciso adaptação.

“Os advogados para poder contatar os juízes continuam tendo as ferramentas de contato com a vara, mas os juízes também precisam se adaptar ao contato via Skype, via WhastApp e essa outras ferramentas", diz.

Diferentemente de Kakay, ele vê o teletrabalho como uma realidade que irá se impor no Judiciário.

“Sempre havia em alguns lugares algum preconceito em relação às formas de trabalhar online. Como se a necessidade de se aferir o trabalho de alguém fosse mais em termos do número de horas em que a pessoa estava presente no local do que em relação aquilo que a pessoa produz.”

Não é só a tecnologia, porém, que determina as condições de trabalho. O procurador da República Vicente Mandetta mora num apartamento de 150 metros quadrados com a mulher e três filhos pequenos.

Na casa só há dois computadores. Os dois filhos mais velhos têm aulas online na parte da tarde. Como ele dispensou a empregada por conta da pandemia, sobra para o casal —a esposa é dentista e também está em casa— cuidar da caçula.

“Então das 13h às 18h é impossível trabalhar. Eu tenho trabalhado em contraturno ou de noite. É bem comum avançar até meia-noite ou de manhã. E no final de semana ainda temos que faxinar”.

Mandetta tem sobre a sua mesa 41 investigações de crimes contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro e combate à corrupção. “Sorte que minha equipe é muito boa."

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