Acompanhei os protestos deste domingo (7) contra o governo de Jair Bolsonaro e contra o racismo ao longo da rua dos Pinheiros, em São Paulo, por cerca de duas horas.
Como as manifestações duraram pelo menos quatro horas, trata-se de uma visão parcial, mas ainda assim foi tempo suficiente para observações que podem ajudar o leitor a entender um movimento forte e ambicioso, mas ainda repleto de contradições —e pode estar aí a sua fraqueza.
1 - A grande maioria dos manifestantes tinha máscaras; todos os policiais que vi também usavam. Embora os rostos só pudessem ser vistos parcialmente, os olhos de todos eles, dos dois lados, expressavam tensão.
Não cheguei a testemunhar quebra-quebra. Do meu lado, um rapaz pretendia pichar "vidas negras importam" na fachada de uma loja, mas recebeu uma bronca de um amigo e se juntou de novo à passeata. Restou uma palavra solitária, "vidas", em preto numa parede cinza.
Em quatro situações, jovens subiram em muretas da calçada para tirar fotos de celular e foram severamente advertidos por outros manifestantes. Parecia clara a preocupação da maior parte deles em evitar atos violentos.
Quando caía a noite, houve depredações em ruas como a Pinheiros e a Arthur de Azevedo. Seria desonesto, porém, confundir um número pequeno de vândalos com a enorme maioria dos manifestantes, que se expressaram de modo pacífico.
2 - Apesar da participação de Guilherme Boulos, líder do MTST que se candidatou à Presidência em 2018 pelo PSOL, eram raríssimas as representações de partidos e sindicatos no meio da mutidão —os poucos símbolos que vi eram discretos.
Por outro lado, o grupo estava repleto de camisetas pretas com a inscrição "fora Bolsonaro" e uniformes de time de futebol. Eram principalmente corintianos, mas não eram poucos os são-paulinos e os palmeirenses.
3 - Num protesto contra o fascismo e o racismo, algumas figuras surgiam constantemente em gritos de guerra e cartazes.
Marielle Franco era o nome mais mencionado, mas três crianças negras também foram muito lembradas: Agatha Félix, 8, assassinada em setembro de 2019 no Rio; João Pedro Mattos Pinto, 14, morto no mês passado, também no Rio; e Miguel, 5, que morreu na terça (2) após cair do 9º andar de um prédio no Recife.
Não faltam ao país símbolos para alimentar a indignação. E o que é mais triste: são cada vez mais jovens.
4 - Três eram os gritos de guerra mais ouvidos: "Racistas, fascistas, não passarão!", "Vidas negras importam" e "Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar".
Cabe uma reflexão sobre estratégia. Parece não haver dúvida sobre a truculência de parte expressiva das forças de segurança no Brasil. Ok, mas quem, afinal, é o alvo dos protestos?
Se a intenção do movimento antibolsonarista é ganhar adesão de outros setores da sociedade, além da esquerda tradicional, talvez fosse a hora de repensar a pertinência de tanta gritaria contra a PM em protestos desse tipo. Difícil imaginar os 22% da população que consideram o governo Bolsonaro regular, como indica o Datafolha, protestando nas ruas contra os policiais.
5 - Ainda sobre estratégia. Outro grito de guerra recorrente era "Ei, burguês, a culpa é de vocês". Supõe-se nesse contexto que os manifestantes atribuem aos burgueses a chegada de Bolsonaro ao Planalto.
Eles têm razão. Bolsonaro não venceria a disputa eleitoral sem o apoio da classe média, o que também vale para Lula e Dilma.
A passeata percorria uma das principais vias de Pinheiros, um bairro majoritariamente de classe média. Burguês, portanto. Assim como gritar contra policiais, insultar os burgueses não vai ajudar a fortalecer o movimento. Odiar a classe média não vai mudar o fato de que o impeachment só se torna viável com o apoio dela.
6 - Representantes dos atos antifascistas precisam decidir logo: querem sair às ruas para desabafar contra tudo "o que tá aí" ou pretendem enfraquecer efetivamente um governo já debilitado?
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